Dellazzart.
quarta-feira, outubro 03, 2007
(P)ode à Loucura
domingo, setembro 09, 2007
Eu te Amo
Cansei do espelho. Está trincado nas laterais, e é pequeno demais para que eu possa enxergar meu corpo inteiro. Tentei me afastar um pouco, buscar um ângulo bacana, mas não adiantou. Bem perto conseguia notar as olheiras no rosto, abaixei a luz, coloquei meu corpo na penumbra que formava no canto da parede, assim ficava bem. Estiquei o papel na mão, completamente amassado, as fibras retorcidas pedindo misericórdia, e as letrinhas desaparecendo no suor dos meus dedos. Repeti a frase escrita para o espelho, devia ser a vigésima vez que tentava, mas os tropeços continuavam. Não sou gago, pelo menos, não era. Arrastei alguns passos pela casa, fazer jus ao sentimento vanglorioso que corria pela minha alma, à ansiedade que consumia o vestígio de cor do meu corpo. Sim, estou branco, o sangue que deveria oxigenar o meu cérebro saiu em fuga para as pernas, como se quisesse dar vida própria à elas, e somente a elas. De novo o espelho, a mesma expressão. O homem que estava ali era bem diferente do meu eu, a palidez, a magreza, e o olhar cansado não faziam parte de mim. Corri meus olhos para o papel, tremia no ar, como se dançasse uma musica de ritmo acelerado. Respirei todo o ar da sala, e algum outro que vinha pela varanda, enchi os pulmões, era agora: “eu...te...te...”. Não consegui, e gritei, gritei tão alto a minha fúria que no segundo anterior uma onda de vergonha desceu corando a minha face. Olhei para aquele pedaço de celulose na minha mão e senti ódio, era tudo culpa dele, miserável! Sem hesitar rasguei-o ao meio, e deixei que caíssem ao chão. No mesmo instante uma brisa forte invadiu pela janela, levantou com força os dois pedaços de papel e a poeira do tapete. Os dois ficaram a bailar no ar, livremente, uma musica tão suave que não sairia tão sensata se fosse transcrita para uma orquestra. Por fim, romperam com a barreira que os separavam no mundo, da liberdade plena, alcançaram o parapeito da varanda e pularam alegres. E eu fiquei ali assistindo, o “Eu te” caminhando para um lado, e o “Amo” dançando para o outro. Suspirei uma coisa qualquer enquanto esperava que eles desaparecessem no horizonte, e depois me perguntei se eles iriam se encontrar de novo, em um lugar qualquer, nos lábios de um amante, ou nas canções de um outro povo.
Bernardo Biagioni
domingo, agosto 26, 2007
Conto de Fadas
Apaixonei-me por este verso. Sim este, de apaixonar-se. É que achei-o dentro de uma caixa, dessas de sapato, que a gente coloca debaixo da cama, para juntar fotos, cartas e poeira. Apaixonei-me pela foto que não temos juntos, pelo numero de seu telefone que não foi salvo na minha agenda. E sofro, mas me apaixonei por esse sofrimento, tão digno, tão humano. Por vezes chorei, mas foi de emoção, deixei que as lágrimas escorressem pela minha face livremente, contornassem sozinhas o meu nariz, a boca, e pulassem alegres pelo queixo. Apaixonei-me pela minha janela, coloco uma musica no fundo, e fico dançando, olhando as luzes da cidade brilhar, como se piscassem para mim. Sorri, e estou sorrindo, não que estejam prontos para tirarem uma fotografia minha, ou que alguém tenha contado uma piada. Mas sorrio, para a vida, para este verso. Ainda sinto o cheiro dela, apaixonei-me por ele. Sim, tomei banho, embora quisesse intimamente cultivar esse perfume para sempre em meus pulsos. Abracei meu travesseiro, senti vontade de ter um desses ursinhos, e não fiquei nada nervoso quando notei que não tinha sono. Contorci meu corpo nos lençóis, olhei para o teto, deixei meus olhos acostumarem com a escuridão, para assim desenhá-la no teto, com a alegria que escoava pela minha alma. Apaixonei-me por essa escuridão, em outro instante, tão negro, agora, tão claro. Pois sim, não temos mesmo fotos juntos, versos em comum, ou mesmo o numero do telefone um do outro. Mas, temos o tempo. Apaixonei-me pelo tempo, embora tenha ódio dele por ter levado-a consigo. Mas ele me disse para ficar tranqüilo, que se depender dele, uma linda historia vai ser escrita. E eles, ou nós, não seremos felizes para sempre, mas, sempre felizes. Sempre.
Bernardo Biagioni
quarta-feira, junho 20, 2007
Maria
Atravessei a vida feito uma locomotiva desgovernada, escorrendo tropeçada pelos trilhos já velhos. O lápis na mão, como se estivesse pronto para escrever a melhor historia da minha vida. O vento no rosto, os cabelos caindo sobre os olhos e os ferindo, alfinetando a córnea seca. Sorria, e o esmalte dos meus dentes se desfazia, ia se destituindo, escoando pelas laterais estimulando as enzimas digestivas. Pela janela via o meu passando correndo, uma seleção de imagens que compuseram meu itinerário até então. A trilha sonora sucumbia o tempo frio, era alegre, as moléculas de ar suspensas na atmosfera bailavam em sincronia com os acordes do piano. Arrastei meus pés para o centro do vagão, fechava os olhos e sentia uma gafieira sustentar meu corpo, conduzindo meus passos em movimentos que não seria capaz de refazer. Convidei a linda dama da poltrona da frente para o tango que começava a tocar, ela estendeu a mão enquanto abaixava a cabeça para conter os rosados pintados em sua face. Apertei-a no peito, conduzi seu corpo até a parede oposta, e empurrei seu busto rente ao chão, enquanto colocava minha perna direita sobre as suas. Vi-a sorrir, mas logo voltou com aquele ímpeto no olhar, um mistério do qual ainda procuro menções. Arrisquei um passo novo que acabara me colocando ao chão. Acordei com as têmporas doídas, um amontoado de carinhas me encarando com curiosidade. Não sei se fora tudo uma ilusão desvairada, ou se havia mesmo escutado aquele tango. Mas a locomotiva seguia, e a única melodia era da Maria Fumaça que pela noite gritava se perdendo.
Bernardo Biagioni
quinta-feira, junho 14, 2007
Pintura Desgraçada
Deitou-se lentamente de bruços e me estendeu com a mão direita uma caneta preta. Olhei-a com curiosidade, fitei seus olhos que se dobravam na minha direção. Confirmou em um aceno com a cabeça que eu estava pensando certo, queria que desenhasse em suas costas, deixasse correr a tinta negra sobre sua pele branca macia. Fechei os olhos, abrumei o objeto sobre sua nuca, enquanto ela afastava os cabelos para as laterais. Arrepiou, sua pele explodiu em pontinhos espaçados, visíveis claramente a olho nu. Não sabia se devia continuar, ela olhou, consentiu com os olhos turvos, dilacerados de prazer. Fui deslizando a tinta por sua medula, sentindo cada vértebra, cada pulso de seu corpo se deliciando com o toque. Cheguei até a cintura, e nesse momento, senti um calafrio descer feito um fio terra por seu corpo, morrendo nos dedos dos pés. Sorriu, não que eu tivesse visto, mas o tempo havia sorrido, seu corpo balançou num gemido silencioso, mas barulhento o bastante para acordar os meus devaneios. Ela virou a cabeça para o lado com dificuldade, pediu que eu me aproximasse. Beijou-me a bochecha, o pescoço, sentia sua alma escorrer pelo canto entreaberto da boca, que exalava desejo. Tomou a caneta da minha mão, jogou-a fortemente contra a parede e me empurrou para longe. Ergueu-se, levantando consigo o lençol e os segundos que antecederam o beijo. Meu corpo recuou, cada pedaçinho passou a sentir medo, insegurança e frio. Chegou bem perto, olhou-me por dentro dos olhos, alcançando a retina, e a imagem que se formava antecipadamente me fazendo míope. Atravessou a minha face, colocou sua boca ao lado do meu ouvido e deixou escoar uma frasinha que ainda fere o meu tímpano: aprenda a desenhar.
Feito isso, saiu sorrindo.
Pintura Desgraçada.
Bernardo Biagioni
terça-feira, junho 12, 2007
Adeus!
Estou partindo. As malas estão prontas, o destino é incerto. Carrego comigo um pedaço daquele teu sorriso, dos seus - “bom dia” - tímidos corridos pelo canto da boca. Levo nos meus braços os seus abraços, tão firmes e inseguros, como quem segura um copo cheio de água na mão. Não hei de chorar, sou homem demais para sustentar essa separação como algo natural, que deveria acontecer cedo ou tarde (snif). Tenho as pernas trêmulas, confesso. Meu corpo é arrastado por passos fracos, que atingem o chão com desespero desigual. Não sei se quero ir, mas a vida vai me empurrando, é inútil lançar os remos contra a maré oscilante. Sentirei saudades das nossas trocas de olhares, daqueles segundinhos miseráveis que me levavam de volta a uma infância inocente, digna de um ser normal. Odeio confessar, mas tenho medo, quando deito minha cabeça no travesseiro fico perguntando o que será de nos dois, ou mesmo, o que foi de nós dois? Fomos somente uma troca de olhares, um dúzia de sorrisos? Fomos vitimas de um destino adorável que estancou em nossos peitos a vontade incontrolável de amar e ser amado? Sou uma caixinha de duvidas, lançada pelos quatro cantos do quarto como um brinquedinho descartável. Pois é hora de partir. A noite se anuncia, os pássaros saem à espreita de um refugio seguro. Vou saindo, mergulhando no breu da noite, nadando de braçadas em direção à saudade de nos dois, que já começa a consumir meu corpo nesse exato instante.
segunda-feira, junho 04, 2007
Bailarina Desgraçada
Puxou
_____A
______Porta
__________E
___________Saiu
_______________Dançando.
Bailarina desgraçada.
domingo, junho 03, 2007
Obrigado
Valsinha
Abrumou a lapiseira aos lábios e a sugou, como se libertasse o devaneio intimo de tragar o grafite. Conteu-se, embora tivesse de fato vontade de alimentar-se daquele material seco, composto de dezenas de carbonos enfileirados. Permitiu que o solo do piano triste invadisse seu corpo e descesse suave pela sua medula espinhal, levemente envergada. Deitou-se, não que quisesse descansar, mas queria deixar penetrar cada sílaba daquela sensação inebriante, de quem se perde de amor por alguém. Sorveu num gole a pinga perdida na gaveta da cozinha, como se quisesse molhar os versos, acalentar a alma já embriagada. Sorriu quando me viu o olhando do outro lado do espelho, deixou as bochechas corarem, desponto de timidez de quem se vê encarado nos olhos. E alegrou-se, não por estar embriagado, ou por ser sexta-feira, mas simplesmente pelo fato de alegrar-se com tamanha facilidade, sem deixar vestígios ou traços de incertezas. Deixou a alma ser ninada enquanto destilava passos pelo quarto, dedicados, sobretudo, ao som do violino que arranhava o tempo cinzento que invadia pela janela entreaberta. Por esses segundos foi livre, fui livre, gozei o desejo desnudo da liberdade plena, e a deixei que compusesse esses meus versos extasiados.
terça-feira, maio 29, 2007
Destino 6107
Sorveu num ultimo gole o resto de vinho que pendia na taça. Pensou em escutar algo, mas sentia preguiça demais para mexer nos discos na estante. Ligou a vitrola e sentiu-se satisfeito com o jazz triste que ecoou no ar. Deitou na cama assim que os primeiros acordes do piano foram chorados. Fechara os olhos, mas era inútil dormir. Levantou, pegou o casaco pendurado na cadeira e jogou-o sobre o dorso, mergulhou a mão direita no bolso e confirmou que estava com a chave de casa.
Pulou os três sets de escada que o separava da rua, e saiu andando, sem pressa, porem sem lerdeza. Parou no ponto de ônibus ao ver Ela, não sabia seu nome, embora conhecesse seu corpo como ninguém. Poderia distingui-lá em meio a multidões de pessoas, simplesmente olhando para seus pés. É que passara tempo demais decorando o brilho de seus olhos, e resolveu iniciar uma nova fase, percorrendo todo seu corpo como se buscasse filtrá -la para seu pensamento absolto. As costas Dela estavam nuas, sentiu vontade de chegar perto, roçar sua barba mal feita nela, arranhando aquela pele limpa e crua. Usurpava do devaneio intimo de escrever-lhe às costas, e em todo corpo, um poema, dois, ou talvez um romance breve, feito um pavio que queima lentamente. Permaneceu parado, suas pernas costumavam trair seus pensamentos em situações como aquela, gozava do prazer grotesco de ficar admirando-a sem mover seus verbos apaixonados. Nos últimos dias a imagem dela insistia em delimitar suas reflexões, não conseguia cerrar os olhos sem vê-la transitando por sua rua com uma serenidade ímpar. Dividiam o mesmo andar do prédio de três andares da esquina, vez ou outra escutava o Chico Buarque cantar rente a parede de seu quarto, canção vinda dos aposentos dela. Sentia vontade de dizer que também gostava de Chico, e que curtia outros, Caetano, Gil, Milton e toda essa gente da musica brasileira. Mas quando a via nos corredores do prédio, ou nas escadas, contentava-se em abaixar os olhos, e fazer sinal de comprimento com a cabeça.
O ônibus 6107 deu as caras. Ela subiu correndo pela porta da frente. Ele hesitou, rebelou com as sinapses dos neurônios que não se manifestavam, venceu, saiu correndo. Socou a porta e o motorista deixou que entrasse. Entrou com a cabeça erguida, como se fosse pela primeira vez Homem, como se pela primeira vez tivesse certeza de alguma coisa. Sentou do lado dela, disse “oi”, ela respondeu com um sorriso. O ônibus arrancou e eles se foram, não se sabe pra onde, ou quando voltam, mas se foram, na mesma embarcação, no mesmo banco, na mesma vida, e juntos, tão juntos que poderia-se acreditar que faziam parte de um só corpo.
Bernardo Biagioni
segunda-feira, maio 21, 2007
A Revolução não será Televisionada
A revolução não será televisionada. As emissoras de televisão hão de manter a mesma programação, se privando do direito de reportar o estopim. Vai ter atores e atrizes nas ruas, passarela ininterrupta do palco do teatro da esquina. Os seresteiros violarão o silêncio, com viola no dorso e palheta na mão. Hão de vir poetas de todas as regiões, motivados pela alforria que se explode na avenida. E vai haver carnaval, no meio desse vendaval hão de comparecer os verdadeiros pandeiros, que cismam em se esconder pelos becos escuros da capital. Virão guerrilheiros, soldados e militares desprovidos de alienação governamental, serão responsáveis pelas barricadas, livros e melodias compondo um muro estrutural. Hão de vir cabeças-chaves de governos de oposição, os quais desejam o massacre do neoliberalismo febril, e a imposição da justiça social. Há de chover confetes, os paralelepípedos hão de urgir de dor por sustentar a multidão que lhe caberá. Serpentinas cobrirão a luz do dia, traçando as cores do arco-íris no céu acinzentado. As paredes serão cobertas por cartazes e adesivos, ficarão por cima dos anúncios das Casas Bahia, ou da Cartomante da Alegria. Nas varandas dos prédios penderão bandeiras verde-amarelas, estiadas no mármore seco, escovadas até o chão. Os carros irão entoar uma sinfonia, feito copa do mundo, todos vangloriando a vitória da seleção. No Congresso não vai haver nada não, exceto euforia, cantoria em homenagem ao soerguimento da Brava Mãe Gentil. Os jornais impressos titularão o carnaval fora de época, mas bastante atrasado nessa era. E vai “haver futebol, choro e muito rock and róll”. A revolução não será assistida, mas será consumada, assim que decidamos atracar a panela aposentada na gaveta da cozinha, e juntarmos no Planalto Central para entoar uma bela melodia.
Bernardo Biagioni
domingo, maio 20, 2007
Samba Mulata!
Por brincadeira do destino foi com ele que comentei da saia rodada da menina que passava na rua. Ele sorriu, e num suspiro incessante deixou escorregar a alegria de viver. E abriu a boca para dizer, percebi que fazia mais, era feito entoar uma bela canção, uma voz rouca, rasgada, digna de um verdadeiro trovador. Não percebeu o meu espanto, nem poderia fazê-lo, pois ainda admirava a mulata que rodava o vestidinho como se dançasse um bolero inglês. Era mendigo, feio esse nome, mas assim meu leitor vai entender de quem estou falando. Locutor de rádio não falaria tão bonito, tão suave, e nem seresteiro apaixonado flecharia seu amor com uma melodia tão profunda. O que a mulata tinha para se mostrar, ele tinha escondido, feito um samba improvisado num porão escuro, enquanto pelas ruas escandalizam um carnaval contrabandeado. Agora estou falando de samba, o verdadeiro bamba de quem coloca os dedinhos para cima e deixa os pezinhos bailarem. Estou falando do verdadeiro trio elétrico, aquele que sacode até quem já descansa
Anda mulata, dança!
Bernardo Biagioni
terça-feira, maio 15, 2007
Deixa ela viver mamãe!
Deixe que sua filha saia mamãe. Ela passa no banco traseiro do carro com os olhinhos pregados no vidro, assistindo um mundo acontecendo. Deixe que se junte à roda de samba que cantarolam na esquina da R. Pernambuco, coladinho no boteco do Nei. Deixe que sua filha rompa a fina película de vidro que a separa do futebol que as crianças jogam descalças nas ruas. Deixe-a sorrir o sorriso puro do mulato recém alforriado do emprego estressante. Ela olha as pessoas arrastando os pés sobre o assoalho seco na avenida, fazendo entoar um barulho ressonante que traça uma melodia. Ela quer sentir nos capilares periféricos a essência de viver, sentar em um ponto de ônibus e reclamar com a morena cheirosa que o itinerário da linha 2104 deveria mudar. Quer descer numa esquina antes do portão de casa, que é para passar de porta em porta, perguntando o nome da vizinhança. Ela passa com os olhinhos no vidro mamãe, e preenche sua parte inferior com gotículas de água de sua respiração sedenta. Sente frio, mesmo com o aquecedor ligado, e o termômetro do painel sinalizando os fervorosos 35º - mas é escassez de calor humano mamãe, ela quer aquele abraço apertado que vê sinalizado no semáforo. Quer sentir com o solado nu as pedras colocadas à mão no chão do passeio da loja de brinquedos que ela entra carregada no colo. Sentir-se iluminada pelos postes das avenidas que cismam em falhar quando a noite cai. Sente vontade de deixar correr pelas têmporas o gotejar morno da garoa que desce de mansinho. E sente vontade enorme de vir correndo abraçar o menino que a encara com um lápis pendendo na mão direita, perdido na confusão das pessoas, situado bem no meio da vastidão do mundo.
segunda-feira, maio 14, 2007
Fotos 3x4 (Parte II)
Voltando à historia da colecionadora louca de fotografias 3x4. Uma semana se passou, e de forma inversamente proporcional, crescia a minha expectativa por vê-la novamente. Ah, ela se chamava Aline, mas no primeiro dia de aula enquanto comia um churrasquinho no quiosque em frente à escola de francês, disse que eu a chamasse de Nine, e com a boca aberta, deixava à mostra os pedacinhos de carne entre seus dentes. Eis que chegou a tão ansiada quinta-feira, dia de ouvir os Bon Jours e Petit Gateaus de sempre. Cheguei mais cedo que o normal, parei o carro em estacionamento proibido, multa que veio impedir que eu desse um presente de aniversário para minha mãe. Entrei na sala, estava perfumado, uma colônia inglesa que mais fedia do que cheirava, e que me causava irritação no pescoço e nos pulsos. Ainda faltavam trinta minutos para começar a aula, tempo que dediquei a tremer as pernas e a coçar as irritações, que acabaram me dando um aspecto bastante avermelhado. Ela entrou, comia um X-Bacon sem salada que vendia no Trailer do Seu Manuel, do outro lado da Av. do Contorno. Olhou para a professora e resmungou um Bon Jour, acompanhado de um milho podre que saltou de sua boca. Sentou na cadeira quebrada debaixo da janela, como sempre fazia, e sequer teve curiosidade de olhar para onde eu estava, que à essa altura já estava ostentando pedaços de carne-viva na altura do pescoço. Não me perguntem o que foi falado naquela aula, nem sequer lembro das palavras que tive de repetir, que saíam com uma dificuldade anormal. Lembro de ter ouvido somente quando a professora suspirou enquanto apagava o quadro: Ahh, L’amour est tre beau, a frase ecoou nos meus pensamentos e desceu feito um calafrio pelo corpo. Bateu o sinal e Nine foi saindo, e parecia decidida a não lançar nenhum olhar para mim, mesmo que fosse por distração ou semelhante. Pois resgatei o vestígio de coragem que pendia na minha timidez e corri até ela, e a puxei pelo braço esquerdo. Ela virou e pude ver que estava mais feia que o normal, o que me atraiu de uma forma estranha. “Porra Eduardo, já falei que está tudo terminado entre nós”. Terminado? Mas eu ainda estava querendo começar. Ela deu três passou a frente e parou, mas continuou de costas. Corri ate ela e a beijei, talvez o melhor ato de impulso que tenha tomado em toda minha vida, pois naquele momento senti no sangue o porque de ter passado o perfume vagabundo e de ter parado em estacionamento proibido. Ela me empurrou depois do que me pareceu uma eternidade de beijos, e disse, enquanto passava a manga da camisa nos lábios: só tem um jeito de você entrar para minha vida de vez. Falando isso ela deu de costas, cobriu o rosto que corava e disse baixinho, que fiz força para escutar: quero uma foto 3x4 sua! Aquilo me deu um medo, uma sensação esquisita. Uma foto 3x4? Porque não uma com meu cachorro, ou com meu avô fofinho ou uma ordenando os gados da fazenda? Uma foto 3x4 era demais! Foi naquele instante que ela me pediu pela primeira vez uma fotografia 3x4 minha. Só mais tarde que eu fui descobrir que seria parte de uma coleção numerosa, que forraria toda a parede seu de quarto. Foi quando as nossas brigas começaram sabe? Mas, ixi, isso já é ouuutra historia.
Bernardo Biagioni
Poeminha
Não sei meu nome
Do meu sobrenome eu esqueci,
Brinquei a tarde inteira
E pela noite que fui sorrir.
Não sou poeta, ou trovador.
Muito menos me fiz "dotor"
Sou menino, sou criança
Pedacinho da sua lembrança.
Escrevi esse poeminha
Para brincar de fazer rima
Sem pontinho o termino
Que é pra não estancar esse meu mimo
Parodiando Vinicius:
quinta-feira, maio 10, 2007
Fotos 3x4
Só mais tarde que eu fui descobrir que ela colecionava fotos 3x4 das pessoas que conhecia pela vida. E foi justamente esse estranho hábito que marcou o inicio das nossas brigas. Não que eu ficasse nervoso quando olhava para a parede do quarto dela e via uma centena de rostinhos, mas me dava agonia. Aquilo era uma espécie de obsessão, sei lá, mas tudo bem. Conheci-a nas aulas de francês que fazia semanalmente, talvez por ser um pouco mais velha, tinha uma dificuldade incrível de pronunciar as palavras, e toda vez que errava, olhava para mim e sorria. Teve uma vez porem, que ao invés de me lançar aquele sorrisinho idiota, ela virou pra mim e disse num sussurro: estou usando meias novas. É claro que eu indaguei no mesmo instante: heinnn? Ela sorriu daquela mesma maneira, e não sei por que, o sangue subiu-me às têmporas. E quando acabava as aulas ela me chamava para ir a sua casa, que ficava a dois quarteirões dali. Depois de oito meses improvisando desculpas espetaculares do tipo: “nossa, vai um cara hoje lá em casa arrumar a geladeira, não vai dar”, acabei tendo que aceitar o convite. Ela entrou na frente e fechou correndo a porta do seu quarto: “aii está muito bagunçado”, mas eu tenho certeza que era por causa das fotografias 3x4. Era uma casa modesta, paredes brancas e descascando, uma televisão dessas velhas que nem com aquelas antenas de dois metros e meio conseguiria sintonizar a rede globo. Me ofereceu um café, café? Caralho, quem oferece café hoje em dia? Mas tudo bem, não sou do tipo que reprime tradições do passado que, aliás, me parecem bastante peculiares. Aceitei, afinal, também não gosto de fazer do tipo mal educado. E ela veio com a xícara na mão, mas tropeçou na bonequinha Barbie que estava no chão e derramou aquele liquido preto todo na minha camisa. E veio correndo, achei que iria limpar o estrago mas me beijou a boca. Mas que beijo espetacular meeeu Deus. Alguma coisa nela tinha que ser bacana afinal! Beijei-a por minutos e nem liguei que tivesse uma barbie em casa, no meio da sala de estar. E em silêncio ela me levou ate a porta, e num suspiro disse: agora vá. E fui, não falei nada, também nem tinha o que falar. Também nem liguei para as pessoas na rua que olhavam para minha camisa manchada, eu estava sorrindo feito um bobo, sorrindo cara? É, me apaixonei por uma doida que colecionava fotos 3x4 e que tinha uma Barbie no chão da sala, com a qual devia brincar freneticamente. Mas quanto ás fotos eu só fui descobrir depois, foi meio que o início de nossas brigas sabe? Mas isso já é outra historia.
Bernardo Biagioni
domingo, maio 06, 2007
Sambinha
Vim para serestar uma melodia, uma triste poesia do mendigo que bateu à porta. Vim porque precisava vir, a inspiração clamou-me os versos, mesmo que incertos e perdidos em uma telinha virtual. E estou para cantar, porque lá fora explode um silêncio de mentiras e covardias. Venho sambando, porque assim descanso meus pés das injurias pequeninas. Estive sorrindo, e ora sinto egoísta por cultivar a felicidade em dias de guerra. Cantarolando uma cantiga velha, dessas que só batem nas janelas dos amantes senis. Venho em paz, confusão já tem demais. Venho iludido, de que dias melhores engatinham pelo chão sujo da avenida. Trago em meus braços o carnaval, triste vendaval de quem prefere o bolero inglês. O samba é de raiz, de brasileiro inconformado com a discrepância social. Não toco techno trance ou electro-house, boto para arranhar um vinil antigo e vejo futebol. Sorria! Você não está na Bahia, mas esta no país da maravilha tropical. E vou terminando, não por cansaço, mas por mera distração. Estive perdido pelos becos escuros, mas vim iluminado pelo vil calor desse horror. Sinto-me bem, mesmo não caindo em desgraças por alguém. Por isso, peço que arranque este corpo sedento da cadeira e se junte a esse pobre falastrão! Espero-te com caixinha de fósforo, pandeiro, cavaquinho e violão.
Venha, e entre sem bater.
Bernardo Biagioni
Vin Rouge
sábado, maio 05, 2007
Louco
E tem jeito de ficar normal?
Visitem esse cara: www.iliveinabunker.com
Manda demais.
“Julinho da Adelaide”
quinta-feira, maio 03, 2007
Drink
[Reaja] Bernardo Biagioni
A Lamentável Trajetória de Patrick
Eis que chega cantarolando um samba antigo um velho conhecido, Patrick, 12, morador e adorador da favela "Morro do Papagaio". Conhecemos o Patrick em Junho do ano passado, ele estava em um sinal de trânsito perto de um grande shopping da região do Belvedere, bairro nobre da cidade. Na ocasião, convidamo-lo junto com seu irmão Ricardo, pouco mais velho, para andar nos nossos skates. Os garotos fizeram a maior festa, ficavam divididos entre os “carrinhos” e a bicicleta de um outro amigo nosso. O sorriso que cultivavam abertamente na face não deixava negar o quanto se divertiam, alimentava também a nossa alma um tanto quanto enferrujada.