Atravessei a vida feito uma locomotiva desgovernada, escorrendo tropeçada pelos trilhos já velhos. O lápis na mão, como se estivesse pronto para escrever a melhor historia da minha vida. O vento no rosto, os cabelos caindo sobre os olhos e os ferindo, alfinetando a córnea seca. Sorria, e o esmalte dos meus dentes se desfazia, ia se destituindo, escoando pelas laterais estimulando as enzimas digestivas. Pela janela via o meu passando correndo, uma seleção de imagens que compuseram meu itinerário até então. A trilha sonora sucumbia o tempo frio, era alegre, as moléculas de ar suspensas na atmosfera bailavam em sincronia com os acordes do piano. Arrastei meus pés para o centro do vagão, fechava os olhos e sentia uma gafieira sustentar meu corpo, conduzindo meus passos em movimentos que não seria capaz de refazer. Convidei a linda dama da poltrona da frente para o tango que começava a tocar, ela estendeu a mão enquanto abaixava a cabeça para conter os rosados pintados em sua face. Apertei-a no peito, conduzi seu corpo até a parede oposta, e empurrei seu busto rente ao chão, enquanto colocava minha perna direita sobre as suas. Vi-a sorrir, mas logo voltou com aquele ímpeto no olhar, um mistério do qual ainda procuro menções. Arrisquei um passo novo que acabara me colocando ao chão. Acordei com as têmporas doídas, um amontoado de carinhas me encarando com curiosidade. Não sei se fora tudo uma ilusão desvairada, ou se havia mesmo escutado aquele tango. Mas a locomotiva seguia, e a única melodia era da Maria Fumaça que pela noite gritava se perdendo.
Bernardo Biagioni
Um comentário:
Meu caro Bernado, gostei muito da maneira como escreve e apresenta suas idéias.
Gostaria de saber se você é jornalista ou estudante assim como eu?
Eu também tenho um blog:wilblogs.blogspot.com
Abraços
Willians Ribeiro
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