sexta-feira, maio 29, 2009

Quatro

Existe algo de deslumbrante naquela rua. Mas não são os gatos apaixonados, aqueles felinos que gemem suas dores imaculadas pelos telhados desgraçados pela incompreensão do tempo. Também não tem a ver com aquela música que foge pelas entranhas do asfalto, todo aquele desaforo dançante que desanda o descompasso do vento. Eu falo sobre o cheiro, sobre uma tempestade de desamor meticulosamente especial que eleva os pequenos destroços da Vida em sinfonias oscilantes. Talvez seja culpa dos teus beijos, por vezes tão traiçoeiros no feitiço celestial de me tornar cúmplice dos meus próprios pecados. Não pode ser Justo sentir tudo que sinto quando minto todas as inverdades que perambulam pelos meus versos mais decentes. Talvez tenha também a ver com os meus anseios, que por aquelas bandas se bandeiam por caminhos tortuosos e longíquos. Existe uma liberdade naquela rua que não dá para descrever. Mas é algo simples e sincero que me prende e desaprende tudo que tento desfazer em palavras cuidadosamente selecionadas. São os nossos abraços desapertados pelo prenúncio de uma despedida, aquele momento fúnebre em que nossos dedos se tocam e se enconstam por uma última vez. Talvez seja ainda os teus sorrisos, tão reconfortantes que reduzem a sofridão humana a versos forjados de uma poesia. Talvez seja a poesia, pois. Essa que criamos e aprimoramos juntos aos beijos mais apaixonantes de qualquer esquina. Não é nada que não tenha graça, que não sorria e que não se entrega aos lamentos pecaminosos do mundo. São os nossos gritos mudos que desarticulam a dormência de um amor profundo.

Bernardo Biagioni

terça-feira, maio 19, 2009

UL,

O amor é uma dor silenciosa que chora baixinho em nossos ouvidos. Machuca tanto quanto conforta, fere, cura e desafortuna toda a sensatez que rege nossos verbos, versos e aspirações. É um grito frio e quente, abraça e abandona, vem e vai, vai e vem. Não adormece e não acorda, vive, mas por hora finge-se de morto, agoniza absorto na desilução de outrora. É eterno, mas dura pouco, cambaleia em tropeços castigados de paixão, queima e esfria, chora e canta para acalentar toda a alma. É meu, mas é nosso, dança e pára, corre e anda até se desfazer em lamúrias ríspidas e sorrateiras. O amor é um beijo, mas não vem em lábios, não se compra e nem se vende, não tem tamanho, mas é enorme. Não é serio, mas não é brincadeira, perde-se sozinho pelas madrugas de frio e traz consigo os primeiros raios do dia. Vem com o mar, mas não é onda, balança, naufraga, levanta e desanda o barco da Vida. É livre e é Livre, sua liberdade não tem formas, ama e desapaixona, bate e se debate entre corações desacordados. Não tem regras e não traz instruções, em cada corpo toma um efeito e em cada peito se revela são. O amor é tudo, mas isso diz pouco, foge e não volta, suas asas batem solitárias pelo Tempo. O amor sou Eu, o amor é Você. São os nossos braços dados no nosso medo de se perder. O amor é uma poesia e cada um inventa a sua, de todos os pecados é o único que não existe cura. O amor somos nós.

Bernardo Biagioni

segunda-feira, maio 18, 2009

Dois.

Agora que se foda. Já não fazem mais sentido todos estes versos, agora tão inversos no despropósito desatento do nosso tempo. Chega dessas lágrimas frias e densas, tanta dor tracionando o meu atento desalento. Quanta tristeza está incrustada no meu peito, um amontoado de despeito indócil que limita o meu caminho. Chega de todo esse pensamento febril, matam-me as lembranças imortais dos ontem e anteontem em que desafiamos a nossa infelicidade. Não posso mais insistir naquilo que sinto por demais, minha alma por si chora na inveja de outrem. Chega também do seu número, esquecerei comigo as minhas desventuras pelo seu doce e encantado futuro. Agora sim eu quero mais. Correr os dedos pelas petulâncias inseguras do mundo e dormir em paz com o meu desespero. Hoje, somente hoje, quero adormecer sem me apaixonar ainda mais pelos nossos anseios. Quero sorrir comigo mesmo e apagar sem pressa a tua imagem do nosso espelho.

Quanta bobagem escrevo quando tenho medo.

Bernardo Biagioni

terça-feira, maio 12, 2009

Rastros

Desde o momento em que você partiu, eu tenho me equilibrado bêbado. Fumo dois ou três cigarros por dia e tudo que escrevo acaba virando qualquer porcaria sucumbida na rodela da minha lixeira. Quanta merda passa pela minha cabeça. Tenho desenhado a nossa pequena distância em cadernos recheados de saudade. Sinto meu corpo sentindo em silêncio os seus lábios caminhando sorrateiramente pelo viés da nossa vontade. Quanta vontade existe entre nós dois. Hoje errei a minha agenda mais uma vez, todas as minhas datas ficaram ultrapassadas pelo depois. Não consigo falar tudo que quero e tudo que disse já não diz tudo mais. Agora estou rouco, louco e tudo que digo fica pouco perto do que passa por aqui. Meu corpo inteiro está em chamas, correm por minha pele lâminas ensandecidas pelo crepitar do fogo. Quando, pois, nos veremos de verdade de novo? Dar os braços aos abraços e recomeçar o nosso jogo? Este tempo sem você já começa cedo a ficar demais. Mas ver como estamos nos vendo eu já não quero mais. Eu quero é mais.

Bernardo Biagioni

domingo, maio 10, 2009

Carta ao Velho

Estranho mesmo está agora, com esse tanto de rostos distorcidos e excessivamente sorridentes. Lembro de quando o sorriso era sim um pecado malevolente, a Igreja condenava os beijos roucos e todo este bacanal que assola a nossa vizinhança. Não havia nada de abraços, todos os braços andavam desatados pelo pudor conservador que confabulava pelas professias do Santuário. Hoje tem-se aí esse tanto de moleque pelado, as cousas balançando como gingam as ondas do mar enquanto as menininhas se desdobram em suas maturidades promíscuas. A garota de Ipanema está rebolando, "Seu Vinícius". A gente tá precisando se virar também.

Bernardo Biagioni

segunda-feira, maio 04, 2009

...

Acabou. Como um tiro, um grito surdo do tempo que não veio para negociar. Acabou assim como acaba o ônibus que dobra a esquina da estrada para então correr pelas entranhas dos campos desfloridos pelo outono impieodoso. É como qualquer outra despedida, mas dessa vez é a Sua despedida. É o fim dos tempos, o suspense inapropriado mesmo ao cinema imundo, a alegria entristecida do fio de água que brota pelos poros das rachaduras do deserto. Dói por cada pedaço do corpo, dorme no escuro profundo da minha garganta um nó miseravelmente desconfortável. Agora existem lágrimas entaladas em cada uma das minhas cordas vocais. E também não há muito o que dizer. Acabaram-se os versos, os perversos sorrisos que sorrimos para o mundo, foi-se a última madrugada quente do ano. Acabaram-se as músicas, os perfumes e os abraços engatados pela incerteza do amanhã. Resta agora todo este pranto, nobre acalanto desumano que brinca pelos meus tímpanos cambaleantes. Resta um medo terno e frio como as estrelas que perambulam pelos céus esquecidos. Amanhã desapareceremos na descrença de nós dois, sumiremos pelos quilometros tortuosos que atravessam nossos lábios dormentes. Amanhã seremos ontem, nossos sorrisos serão fotos e nossos beijos se perderão na desesperança. Amanhã morre Nós dois e Eu e Você estaremos mais uma vez condenados a viver como se jamais tivéssemos existido.

Quanto tempo durou o nosso tempo?

Bernardo Biagioni