domingo, junho 03, 2007

Valsinha

Abrumou a lapiseira aos lábios e a sugou, como se libertasse o devaneio intimo de tragar o grafite. Conteu-se, embora tivesse de fato vontade de alimentar-se daquele material seco, composto de dezenas de carbonos enfileirados. Permitiu que o solo do piano triste invadisse seu corpo e descesse suave pela sua medula espinhal, levemente envergada. Deitou-se, não que quisesse descansar, mas queria deixar penetrar cada sílaba daquela sensação inebriante, de quem se perde de amor por alguém. Sorveu num gole a pinga perdida na gaveta da cozinha, como se quisesse molhar os versos, acalentar a alma já embriagada. Sorriu quando me viu o olhando do outro lado do espelho, deixou as bochechas corarem, desponto de timidez de quem se vê encarado nos olhos. E alegrou-se, não por estar embriagado, ou por ser sexta-feira, mas simplesmente pelo fato de alegrar-se com tamanha facilidade, sem deixar vestígios ou traços de incertezas. Deixou a alma ser ninada enquanto destilava passos pelo quarto, dedicados, sobretudo, ao som do violino que arranhava o tempo cinzento que invadia pela janela entreaberta. Por esses segundos foi livre, fui livre, gozei o desejo desnudo da liberdade plena, e a deixei que compusesse esses meus versos extasiados.

Permitam-me essa dança?!

Bernardo Biagioni

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