quarta-feira, março 14, 2012

pura

Saramago me deu um beijo, quando eu tinha doze anos de idade. Eu fiquei cego, tateando no escuro, arrastando passos desacertados no assoalho que rangia opaco. A casa era grande e espaçosa. Muita gente me olhava, enquanto eu me perdia e ofegava, mergulhado em um espiral de angústias e anseios embaralhados na brisa que soprava pela porta da sala.


Aprendi sobre o mundo olhando a paisagem se transformar na janela do carro. Sempre receei as mudanças e os desapegos, as serras diminuindo e o sol se pondo, em um ponto que já conhecia. Sabia das curvas e de seus sacolejos e, ainda assim, pedia um pouco mais de silêncio. Acho que ouvi tanto, quando menino, que até hoje consigo sentir algumas palavras gritando.


Nunca gostei de poesia, mas escrevo. Passei a evitar algumas músicas, quando senti que poderia perder o controle. Tenho um pensamento que me acompanha, no sol ou na sombra, de colorir o meu tormento. Não alimento o destino, mas fecho os olhos para que o tempo venha me tocar. Tudo que escrevo leva Vento, porque dia desses eu abri os braços e… E comecei a voar.

segunda-feira, março 12, 2012

farol

Parece incerto o sentido do barco. Meia dúzias de passos estatelados nos filetes de sal esfarelados pelas ondas que quebram na areia. Perdi da Terra no desandar dos dias. Caminho sorrateiro me enganando pelos cheiros que salpicam o universo em conflito.


Deixo quieto todo o desafeto que embaralha os pensamentos serenos. Confio em saudade e no vento, libertei de mim os devaneios desatentos que apontam os destinos incertos. Não carrego dor, ou lamento. Entrego ao tempo todo o sofrimento que o mar veio me arrastar em versos.


Não sou certo, mas enxergo. Meu destino é o infinito da complacência humana, o encanto, e o desencantamento mundano. Navego porque nego toda a entrega que não seja plena. Não sei para onde vai o mar, em tormento. Mas sigo desafiando em silêncio minhas lembranças de amor. E de medo.

sábado, março 10, 2012

volver

Levante o leme, sobe a corda. Olha só estes tempos estranhos serpenteando pelas ruelas estreitas, bares esfumaçados, quebradas quentes e iluminadas pelos desencantos mundanos. Tem me tirado o fôlego viver e respirar, e sorrir e chorar, dobrar o inconsciente atento para amar com menos dor, menos pudor. Reviver a poesia que canta e encanta, os lábios e rastros perdidos na outrora desventura de viver entregue ao vento que sopra distante no oceano.


Estamos todos loucos, soltos e entregues ao desamor do tempo. Sentimos falta de sentir saudade, vontade, e toda a bondade que alimenta o frescor dos versos. Todos os caminhos soam incertos na busca e procura por um amor que queime, que arda, mas que conforte as desilusões corriqueiras arrastadas por estas quarta-feiras de frio. O sol queima, mas a lua afaga. Deito todas as noites na cama para embaralhar os astros e colapsos que dançam em chama.


Sobra a fé e a amargura. Que o vento venha e cure cada uma dessas angústias que desarticulam a continuidade da vida. Confio no silêncio e no futuro os beijos e as tardes de sossego que o tempo tira. Nego todas e qualquer uma das mentiras que atrasam o perpetuamento do encanto que mergulha profundo pela percepção plena. Meus versos vão, mas voltam. Entorto o leme e solto a corda para encarar mais outra vez o mar em revolta.