terça-feira, setembro 29, 2009

Despedidas

Meu amor, estou indo. Deixo aqui minhas últimas palavras presas perto da maçaneta da porta, minhas chaves ficam no parapeito da janela – como a gente combinava – e está tudo exatamente como você gosta, duas caixas de som ligadas, as luzes apagadas e as portas cuidadosamente destrancadas nas duas trancas prateadas. Trouxe comigo aquela nossa foto de braços abertos na estrada, os nossos dois últimos bilhetes de viagem – você sabe que eu gosto de colecionar – e a mochila grande, a maior delas. Ainda não sei o que vou fazer, mas andei pensando e talvez o melhor mesmo seja deixar essa cidade, essas minhas bobagens, e ir por aí sem medo. Preciso respirar, me libertar de verdade e sentir falta de você. Eu preciso sentir a falta de você.

Bernardo Biagioni

sexta-feira, setembro 25, 2009

Verdades

Agora, por favor, peço que experimente escrever para perceber como agora pode escrever maravilhosamente bem, tudo apaixonado, tudo com raiva, com medo e com muita e muita verdade. Experimente me destratar, destratar os tratos que andei assinando com os olhos fechados enquanto você mal me olhava de fato, você por todo esse tempo esteve apenas se tratando no espelho, descuidando dos seus desejos mais decentes e sinceros e recusando tudo, recusando a vida, os vizinhos, suas súplicas mais mesquinhas. Vamos, vamos, agora tudo que quero é querer ver você gritar, rastejar, pegar o telefone e ligar pedindo, solicitando e quase explodindo de saudade. Eu quero ver você confessar que está desistindo e que está, calorosamente, morrendo de saudade.

Bernardo Biagioni
Ouvindo: the beautiful girls - shot down

Roam

Mas ainda não encontrei ninguém. Nem nos bares, nas cervejas, nos cigarros que troquei, nos lábios e lábios que beijei e nas viagens pelo mundo, pelos becos do mundo, e por cada curva desta cidade e de todas as outras cidades que estive desbravando, escrevendo e mandando cartas atrás de cartas. Tive lá os meus encontros, os meus desencantados encantos, espantos momentâneos e suspiros roucos, gritos loucos, sentimentos trôpegos e incertezas incompletas. Sempre procurando, pincelando em papéis avulsos as desventuras que andei tropeçando, insistindo e implorando. Mas nada, nada e nada. Mesmo quando tive tudo e quando achei que finalmente iria adormecer seguro, descobri no sol que minhas manhãs continuariam escuras, que minhas palavras não seriam mais tão "suas" e que minha procura continuaria em frente indolente e ininterrupta. E hoje, errante, desenho páginas e páginas de planos, folheio meus sonhos enquanto me engano e sigo no tempo errando, arriscando e acelerando. Apenas esperando que a vida venha me encontrar.

Bernardo Biagioni

quarta-feira, setembro 23, 2009

Partidas V

Arrumamos juntos as malas no último domingo de fevereiro. Lembro claramente de tudo espalhado no quarto, o cheiro de viagem, o mistério, a minha incansável ansiedade e a velha vontade de cair fora indo e voltando no meio de nossas pequenas conversas. Estava tudo cheio de fumaça e seu cigarro estava novamente aceso, passando de uma mão para outra, da mão esquerda para a boca, e da boca para o cinzeiro de vidro jogado sobre a mesa. “O que você sente?”, me perguntou enquanto arrastava a bagagem para perto da porta com facilidade e sorria mostrando que o serviço estava feito. Pedi um trago do cigarro, puxei o cinzeiro para perto e olhei para baixo, para as malas e para os seus pés firmes e livres erguidos sobre o assoalho. “Medo”, respondi, mas sorrindo, sorrindo largamente e desafiando o mundo, os inseguros e as dúvidas pequenas que brincavam comigo. Era, e é, apenas medo de ir e não voltar nunca mais. E nada mais.

Bernardo Biagioni

segunda-feira, setembro 21, 2009

Tudo

Sempre as mesmas músicas, as mesmas noites, os mesmos versos e mais uma vez caminhando incerto pelos pensamentos perdidos, os resquícios dos beijos, as marcas que ficaram. Seu perfume envolto no meu cheiro, seus lábios tatuados nos meus dedos e cada uma de todas as nossas palavras entregues ao som da chuva fria que escorre pela janela cuidadosamente entreaberta para espantar a saudade que existe aqui dentro. Passam os minutos, os dias e as horas e eu sigo martelando inconformado os nossos desatinos, os destinos que desistimos e as outras tantas manhãs de sol que poderíamos ter dividido se tivéssemos desafiado as nuvens escuras que espantaram nossas sinceras vontades. Encaro meu rosto no espelho e não há sorrisos, motivos ou sentidos. Restou apenas silêncio, textos de como poderia ter sido e uma espera incessante de você aparecer por aqui para que possamos simplesmente sair por aí e voltarmos a ser tudo aquilo que tínhamos construído: nada.

Bernardo Biagioni

terça-feira, setembro 15, 2009

La mar

Naquela tarde eu descobri a minha saudade de você. Os pés mergulhados na areia, sentado na cadeira de plástico roubada do quiosque que já estava fechado e olhando as ondas vindo e voltando até onde tudo desaparecia no oceano. Sozinho, mas mais uma vez conversando com todos os meus versos mais apaixonados, minhas músicas que não foram escritas e com as nossas conversas incompletas, todas elas. Todo mundo passava me olhando, um misto de estranheza e complacência, não era nada difícil de convencer o universo de que eu precisava de cada segundo daqueles raros minutos de felicidade instantânea. E em cada rosto, você. Em cada rosto você rindo, sorrindo e gargalhando contra todas as infelicidades da Vida, das cartas que te mandei assinadas e das minhas verdades mais sinceras. Inacreditavelmente linda - Como eu nunca vi mais.

segunda-feira, setembro 14, 2009

Ser

Enfim é domingo. Só me restou agora todo esse suspiro correndo perdido, as marcas dos cigarros nas roupas e as roupas sujas, amassadas, rasgadas por seus dedos trôpegos e certeiros. Um silêncio inquieto embotado no peito, minha vida inteira sem jeito de se acertar nos trilhos dos dias que viram noite e de todas essas nossas noites que viraram dia. Penso tanto em nós dois, no que fomos, no que nunca poderemos ser e, mais do que nunca, no que poderíamos ter sido se você tivesse aceitado tudo, sorrido de tudo e não desconfiasse de nada daquilo que eu escrevia inconsoladamente apaixonado. Agora é tarde, muito tarde. Eu já vi que não é sua culpa, mas você não é mesmo livre como eu ficava imaginando que era em todos aqueles olhares que trocamos por aí e por lá. Escrevo para agradecer, para falar que estou indo, e que agora eu vou seguir por essa vida errando, como é certo do meu jeito irreparável de ser. Ser livre.

Bernardo Biagioni

quarta-feira, setembro 09, 2009

Fugas

Por que pensar tanto se pensando assim você não vai, não vem, nada tem e tudo é sem vontade, maldade e verdade? E por que não confessa que me ama, que é louca para eu te chamar de "minha" na cama, nos lençois, nos versos e provérbios que muito dificilmente eu sei escolher? Vamos, liberte-se, livre-se de tanto espanto, pranto e incontáveis acalantos, já estou farto de seus rodeios mesquinhos, suas recusas irreparáveis e seus lamentos momentâneos. Estúpida você, não vê? Trate logo de se encarar no espelho, acertar as contas com os nossos desassosegos para que então possamos apenas ir e fugir de tudo, de todos, do mundo e, sobretudo, de nós mesmos.

Bernardo Biagioni

Aubes

Recusou todas as minhas chantagens, meus bilhetes de viagem e todos os versos mais sinceros do mundo que, por uma noite e apenas uma noite, eu quis escrever e desenhar por todo o seu corpo. Me deixou perdido na rua como um louco, dirigindo por cada distrito, cada cidadela, bebendo sozinho, contando histórias vencidas e tragando dois, quatro e cinco maços de cigarro por dia, bêbado, sempre bêbado. E eu continuava insistindo, pedindo e implorando, mostrando nos mapas os caminhos da vida, brincando com a fumaça embriagada e trocando de sorrisos enquanto o vento se ocupava de correr com força contra seu redemoinho de cabelos. Então parti sozinho, mais uma vez sozinho, e pelo retrovisor eu fui vendo a lua, as estrelas e as luzes da cidade dançando, ondulando e mergulhando devagarzinho pela linha invisível do horizonte. E você lá ficando, o mundo inteiro ficando, tudo sumindo, chorando e o nosso destino se despedaçando pelas rachaduras tímidas de cada uma das estradas. Exatamente como todas estas últimas trinta e tantas madrugadas.

Bernardo Biagioni

quinta-feira, setembro 03, 2009

Piaf

Sobrou agora apenas o cheiro desesperado do seu perfume, que por mais que se lave e se esfregue continua impregnado no corpo, nas mangas, nas roupas. E junto dele o nosso beijo, o nosso único beijo, tão sem rodeios e preceitos, mas sinceramente necessário. Sobrou essa distância, essa saudade e essa vontade tão perversa de te ver, é ela que me pega de versos e versos pelas noites frias deste inverno indolente. Hoje eu te quero tanto, tanto, tanto... Passo o dia inteiro planejando esperançosas viagens, assinando cartas em assinaturas forçadas e contando nos dedos os dias que faltam para o nosso desencontro se encontrar. Em uma esquina qualquer de outra madrugada qualquer, Estarei por lá esperando. Para sempre te esperando.

Bernardo Biagioni

quarta-feira, setembro 02, 2009

Fargo

Preciso dizer que te quero. Não por conta dos meus pensamentos errantes, minhas cartas sem coragem, ou por culpa das malas que arrumo pensando que qualquer dia desses a gente pode simplesmente cair fora e sair por aí. Cada suspiro que a vida dá, eu penso em você, exatamente como estava em alguma madrugada dessas de alguns dias atrás, linda, os sorrisos abertos e todos os mistérios do mundo dançando consigo. Beijo escondido o retrato que não tiramos, digito o numero do seu telefone que não anotei e fico rodando pelas ruas da cidade acelerando devagar e olhando cada boteco, cada mesinha, cada conversa. E acho você em todas elas, em cada uma delas, olhando cuidadosamente para dentro dos meus olhos e dizendo aquilo tudo que ainda não consegui entender. Hoje, dois ou cinco dias depois, escrevo a décima ou a vigésima página para você. E mais do que sempre, agora quero te ver, abraçar mais uma vez cada um dos seus abraços e recitar, no seus ouvidos, o tanto que aqueles nossos minutos tem me feito sofrer. Sofrer de felicidade.

Bernardo Biagioni