quarta-feira, setembro 23, 2009

Partidas V

Arrumamos juntos as malas no último domingo de fevereiro. Lembro claramente de tudo espalhado no quarto, o cheiro de viagem, o mistério, a minha incansável ansiedade e a velha vontade de cair fora indo e voltando no meio de nossas pequenas conversas. Estava tudo cheio de fumaça e seu cigarro estava novamente aceso, passando de uma mão para outra, da mão esquerda para a boca, e da boca para o cinzeiro de vidro jogado sobre a mesa. “O que você sente?”, me perguntou enquanto arrastava a bagagem para perto da porta com facilidade e sorria mostrando que o serviço estava feito. Pedi um trago do cigarro, puxei o cinzeiro para perto e olhei para baixo, para as malas e para os seus pés firmes e livres erguidos sobre o assoalho. “Medo”, respondi, mas sorrindo, sorrindo largamente e desafiando o mundo, os inseguros e as dúvidas pequenas que brincavam comigo. Era, e é, apenas medo de ir e não voltar nunca mais. E nada mais.

Bernardo Biagioni

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