Existe algo de deslumbrante naquela rua. Mas não são os gatos apaixonados, aqueles felinos que gemem suas dores imaculadas pelos telhados desgraçados pela incompreensão do tempo. Também não tem a ver com aquela música que foge pelas entranhas do asfalto, todo aquele desaforo dançante que desanda o descompasso do vento. Eu falo sobre o cheiro, sobre uma tempestade de desamor meticulosamente especial que eleva os pequenos destroços da Vida em sinfonias oscilantes. Talvez seja culpa dos teus beijos, por vezes tão traiçoeiros no feitiço celestial de me tornar cúmplice dos meus próprios pecados. Não pode ser Justo sentir tudo que sinto quando minto todas as inverdades que perambulam pelos meus versos mais decentes. Talvez tenha também a ver com os meus anseios, que por aquelas bandas se bandeiam por caminhos tortuosos e longíquos. Existe uma liberdade naquela rua que não dá para descrever. Mas é algo simples e sincero que me prende e desaprende tudo que tento desfazer em palavras cuidadosamente selecionadas. São os nossos abraços desapertados pelo prenúncio de uma despedida, aquele momento fúnebre em que nossos dedos se tocam e se enconstam por uma última vez. Talvez seja ainda os teus sorrisos, tão reconfortantes que reduzem a sofridão humana a versos forjados de uma poesia. Talvez seja a poesia, pois. Essa que criamos e aprimoramos juntos aos beijos mais apaixonantes de qualquer esquina. Não é nada que não tenha graça, que não sorria e que não se entrega aos lamentos pecaminosos do mundo. São os nossos gritos mudos que desarticulam a dormência de um amor profundo.
Bernardo Biagioni
Bernardo Biagioni