domingo, maio 20, 2007

Samba Mulata!

Por brincadeira do destino foi com ele que comentei da saia rodada da menina que passava na rua. Ele sorriu, e num suspiro incessante deixou escorregar a alegria de viver. E abriu a boca para dizer, percebi que fazia mais, era feito entoar uma bela canção, uma voz rouca, rasgada, digna de um verdadeiro trovador. Não percebeu o meu espanto, nem poderia fazê-lo, pois ainda admirava a mulata que rodava o vestidinho como se dançasse um bolero inglês. Era mendigo, feio esse nome, mas assim meu leitor vai entender de quem estou falando. Locutor de rádio não falaria tão bonito, tão suave, e nem seresteiro apaixonado flecharia seu amor com uma melodia tão profunda. O que a mulata tinha para se mostrar, ele tinha escondido, feito um samba improvisado num porão escuro, enquanto pelas ruas escandalizam um carnaval contrabandeado. Agora estou falando de samba, o verdadeiro bamba de quem coloca os dedinhos para cima e deixa os pezinhos bailarem. Estou falando do verdadeiro trio elétrico, aquele que sacode até quem já descansa em jaz. E a mulata ia sem mais rodeios, exalando pelos saltos nos pés a melodia adormecida nos nossos ouvidos. Parecia invocar certa força divina, a maneira como sacudia a bacia fazia o tempo tremer, como se fosse preciso estancar a certeza do relógio de ponteiros. Do lado de cá eu e o mendigo com a voz de locutor, com as mãos nos queixos, segurando os segundos da vida que não poderiam passar. Sorria pra ele, e ele devolvia em dobro, podia ver seus dentes através da barba sedenta que cultivava a meses. Desabou no chão toda minha lucidez quando ainda exclamou: êita vida boa rapaiz! Pois me digam onde eu estava com a cabeça, nos dias em que reclamei nos travesseiros que a vida não andava nada de mais. Peço desculpas, hão de me perdoar - pois por esses momentos só quero tragar a voz do meu novo amigo, e ver aquela morena sacolejar.

Anda mulata, dança!


Bernardo Biagioni


Um comentário:

Anônimo disse...

Um pouco de demora, mas eu não deixaria de comentar por nada nesse mundo.
Ótimo texto como todos os outros.

Beijos!