Deixe que sua filha saia mamãe. Ela passa no banco traseiro do carro com os olhinhos pregados no vidro, assistindo um mundo acontecendo. Deixe que se junte à roda de samba que cantarolam na esquina da R. Pernambuco, coladinho no boteco do Nei. Deixe que sua filha rompa a fina película de vidro que a separa do futebol que as crianças jogam descalças nas ruas. Deixe-a sorrir o sorriso puro do mulato recém alforriado do emprego estressante. Ela olha as pessoas arrastando os pés sobre o assoalho seco na avenida, fazendo entoar um barulho ressonante que traça uma melodia. Ela quer sentir nos capilares periféricos a essência de viver, sentar em um ponto de ônibus e reclamar com a morena cheirosa que o itinerário da linha 2104 deveria mudar. Quer descer numa esquina antes do portão de casa, que é para passar de porta em porta, perguntando o nome da vizinhança. Ela passa com os olhinhos no vidro mamãe, e preenche sua parte inferior com gotículas de água de sua respiração sedenta. Sente frio, mesmo com o aquecedor ligado, e o termômetro do painel sinalizando os fervorosos 35º - mas é escassez de calor humano mamãe, ela quer aquele abraço apertado que vê sinalizado no semáforo. Quer sentir com o solado nu as pedras colocadas à mão no chão do passeio da loja de brinquedos que ela entra carregada no colo. Sentir-se iluminada pelos postes das avenidas que cismam em falhar quando a noite cai. Sente vontade de deixar correr pelas têmporas o gotejar morno da garoa que desce de mansinho. E sente vontade enorme de vir correndo abraçar o menino que a encara com um lápis pendendo na mão direita, perdido na confusão das pessoas, situado bem no meio da vastidão do mundo.
terça-feira, maio 15, 2007
Deixa ela viver mamãe!
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2 comentários:
inspiraçao fabulosa..
Rio sozinha aqui com a série de textos sobre a maníaca 3x4!
Hahaha... Pra mim são os melhores!
Você escreve cada dia melhor...
Deixa o menino escrever, mamãe.
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