sexta-feira, agosto 07, 2009

Tragédia

Acorda às seis, sai às sete e chega às oito da noite em casa. Pontualmente. Não falta com a novela, com os novelos, com a comida para os passarinhos da vizinha e com as duas xícaras de água com que alimenta suas plantas - Tem duas orquídeas e uma samambaia robusta e longa. Tão longa que chega até o andar de baixo.

Seu último sorriso foi no almoço de ontem, quando sentiu o rosto se corando por culpa das investidas tímidas e suspeitas de um alguém qualquer. Não sente uma mão deslizando por suas costas desde a última primavera. Sente saudades - embora não confesse - mas a vida parece mais segura agora que controla suas rédeas.

Não é feliz e sabe. Sabe bem que não é feliz. Tem compromissos, horários marcados e até planos para o futuro, mas são todos tão interessantes quanto o rosto que enxerga nos espelhos da vida. Parece mentira, mas tem vinte anos e pouquinho e já parece estar cavando o próprio túmulo. Bebe pouco, come muito e só fode consigo mesma.

Maria, chama. Mas ganha outros nomes pelos caminhos por onde se bandeia. Porém, de norte a sul, de sul a oeste, recebe só e apenas o apelido de Tragédia, assim curto e assim simples. Sente-se sozinha no escuro, mas não se preocupa e não liga. No fundo ela bem sabe que o mundo está cheio de Marias.

Bernardo Biagioni

5 comentários:

Cascavel Clube Recreativo disse...

Uau!
Perfeito (como sempre)!
Um beijo.

Letícia Cardoso disse...

eu adorei o modo como você apresentou Maria

Beijo

Raphael Vidigal disse...

Muito bom msmo!

Renato Eduardo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Renato Eduardo. disse...

Quanta eloqüencia narrativa, hein, meu velho !
Descrição objetiva, clara, desprovida de rodeios, perífrases e coisas do gênero "Encher lingüiça". Você concilia com maestria a magia literária à concisão jornalística, de modo que essa mescla sempre redunda em uma fluidez textual fantástica, rara de se ver.

Tu escreve BEM DEMAIS, Bernardo; sou seu fã, dude !