sábado, junho 27, 2009

Sonho

Era um banheiro pequeno de azulejos brancos, as paredes mergulhadas logo sobre o tapete. A sensação é que o espaço era ainda menor do que de fato era. Tinha uma banheira comprida, um tanto larga e tava descascada nas laterais. Você estava encostada nela, as pernas estiradas, um sorriso sacana e tinha as unhas vermelhas.

Engraçado é que toda vez que lembro de você, você está com unhas vermelhas. Pode estar sorrindo, triste ou com raiva, como costumava ficar sem grandes razões aparentes. Apesar da face leviana, as bochechas rosadas e aquela aparência tranquila, atrás do seu corpo sempre existiu um universo inteiro. Explosivo, intuitivo e fechado. Muito fechado.

Vinha andando devagarzinho e quando chegava a poucos centimentros de mim, logo armava o dedo indicador. Encostava na minha barriga, enchia a boca de ar esperando um beijo e não dizia nada. Ficava parada do meu lado, brincando nos próprios passos intactos e adormecidos. A gente olhava o tempo passar.

E com o tempo foi indo, indo e indo. Dobrou a esquina na terceira avenida e nem disse adeus. Sei que tomou uma carta minha nos dedos, beijou-a com delicadez e devolveu-a sem pressa na bolsa. Fincou passos determinados no chão, atravessou o quarteirão escuro sem medo e foi embora pra nunca mais voltar..

sexta-feira, junho 26, 2009

Guerra

Doce desencanto. Nobre desaparato do tempo, estático, lúdico, trôpego e viajante. "Quem é você, Bernardo?" Escute o vento, as águas, as máguas e os temporais. Sê a Vida que te vive, afaga e desafa, beijos em silêncio pelos trilhos do tempo. "De onde vens?" De lá e para lá, cabelos correndo horrendos pelo passado chato, opaco e maltratado. Sou Amor, por que não? Mordaz, vívido e temporário. O amor é temporário, como a vida ensina a ser. "Por onde andas?" Perdido, límpido, desencontrado e não sei mais o quê. Andarilho andando pelos traços da estrada, minha pobre e velha namorada, nova, sórdida e interesseira. "O que queres de mim?" Seus braços, o sabor do teu Vinho, tuas coxas, suas costas encostadas nas minhas notas, arrepios. Deixe-me desenhar você. Pintar seus traços, atrapalhar seus embaraços e adestrar teus lábios e lábios. "Me ama?" Hoje sim, amanhã talvez e depois só depois. Hoje só sei de nós dois, um mais um, dois em um. "Como terminas?" Com um ponto, porque não tenho medo. Meus versos adormecem tarde, recomeçam cedo e não se cansam de você. Hoje é hoje e amanhã não vem. Venha agora porque depois eu não sei. "Me espera?" Estou na porta. Venha logo, desça já. Meu coração está em chamas e não há muito mais o que falar. "Acabou?". Sim, acabou. Mas não se acanhe e nem dobre a página. Porque agora sim acabou de começar.

Três, dois, um. Boa viagem!

Bernardo Biagioni

terça-feira, junho 23, 2009

Recado

Ah! Você de volta, que lindo. Triste desperdício veio me carregando tanta lucidez. Quanto desconforto bobo traz a lucidez. Nada de Cores, nada de Beijos, nada de Blues. Tanto desafago inoportuno, sem você que culpa assumo quando me entreolho perdido pelo Espelho? Agora deixe-me dançar assim dançando, velho tango malandro-cigano que antes não teve vez. Que saudade tenho dos nossos dedos cruzados, nossos corpos rangendo ossos com ossos, rosto no resto e beijo com beijo. E teus gritos... Teus gritos tão mudos, destemidos e imprudentes, calam toda a rua escura e pesarosa. Deixe-me responder você?! Tomar sua carta nos dedos, folhear as folhas sem medo e responder minha velha resposta. Se você soubesse o quanto que te amo, por ora. Estaria logo me esperando apaixonada lá fora.

Passo aí as 7.

Bernardo Biagioni

domingo, junho 14, 2009

Atrasos

Agora tudo que lembro é de ter o encontrado uma noite em algum bar movimentado da cidade. Estava sentado numa mesa dos fundos, fumava um cigarro branco e vermelho e soprava a fumaça como se tivesse desenhando alguma coisa no Ar. Levantou seus olhos, me viu, abaixou a cabeça novamente e continuou a pincelar o sanduíche com uma pequena garrafa de tempero. Pareceu uma eternidade aqueles meus passos tão calculados que me levaram da entrada até à sua mesa. Tomei a cadeira com os dedos, arrastei-a pelo assoalho e sentei com calma. Ele olhou-me nos olhos, segurou minhas mãos em suas mãos e sussurrou sem pressa: "Obrigado por demorar".

...

Ah! Quanta saudade existe desde então!

Biagioni Bernardo

sábado, junho 13, 2009

Olá Estranho

Aquele foi o último sorriso sincero deste século, isso eu posso garantir. Tão natural, verdadeiro e necessário. Ela, entre os dois lances de escada, parada, talvez encostada na parede, a bolsa caindo pela lateral esquerda. Eu, terminando de passar pelo último degrau, o rosto voltado para trás, o corpo tentando acompanhar os passos tropeçados sobre os passos. Sem mais barulhos, sem multidões, sem chuva, sem sol, somente o silêncio e sua música tão sua. Também sem Tempo, sem duração, uma eternidade, dois segundos tão inseguros de si. Certo de incertezas, incertezas nunca tão certas, medo, medo e medo. Ela corre os dedos pelos cabelos, posso ver que está tremendo, disfarça, nega, se entrega e não se entrega. Eu minto, digo que não é meu e tento me endireitar, ando e desando negando o que minha alma tenta dizer - Como posso ter me apaixonado assim?

quarta-feira, junho 10, 2009

Carta ao Vinícius II

(...) Tem-se falado muito em amor, sim. Mas de uma forma prosaica, enrustida e medrosa, não sei bem entender. E não tem a ver com a data dos namorados que vem aí, tenho certeza que não é isso. É porque, de alguma forma, tem alguma coisa no ar agora, entende? Estão todos muito êxtasiantes, apaixonados e considerávelmente tímidos, se posso descrever assim. Existe agora um certo sorisso, um pouco de quem já não chora mais. A tristeza, antes tão dura e fria, agora ficou linda, sabe?