São três e meia da madrugada e na minha frente só uma estrada. Ela corre o horizonte até se perder na primeira curva, desaparece nos galhos das árvores que seguem dançando em harmonia com o vento. Não tenho para onde ir, mas não existem mais razões para ficar. As remanescências do meu conservadorismo cristão tentam prender-me pelos pés e descompassar as batidas do pulso. No retrovisor está Belo Horizonte, a cidade que vez ou outra não faz jus à sua alcunha. As luzes dos prédios que vão serpenteando pela minha janela lateral estão dormindo. As pessoas da sala de jantar estão dormindo. Lá na frente vai um último carro, mas a sua velocidade denuncia que está sendo arrastado pela desvontade de continuar. Eu preciso seguir. Preciso me livrar das montanhas, desse minério que descolore a vivacidade do meu corpo. Não dá mais para ser mineiro e continuar me arrastando pelas ruelas estreitas destas madrugadas. Aqui todos estão mais preocupados em ter grandes casas e desfilar com os carros do ano. O cinema dos bons filmes está perdendo público para aquele do grande shopping - se existisse um campeonato para isso, pela primeira vez me orgulharia de me figurar entre os perdedores. E as pessoas não estão lendo. A classe média está gastando seu tempo trabalhando em lojas de roupas, acessórios e artefatos eletrônicos. Os medianos trabalham para se auto-sustentarem em transações comerciais frívolas e egoístas - Ninguém reparou que a pobreza está crescendo. Achei que a salvação estaria no submundo, nos óculos de armação retangular e nos braços que carregam Rimbaud e Machado de Assis. Que nada. Descobri depois que só estavam posando para uma última foto conceito. Este aqui não é mais inteligente que aquele lá - Estão todos competindo pela própria ignorância de viver. Citam poetas, mas nunca fugiram de casa. Citam estradas, mas só cruzaram as fronteiras do estado naquela última viagem para Cabo Frio. Estão todos morrendo lentamente, sem saber. Morrem antes de perceber que têm a chance de viver. Os mineiros estão alimentando a desgraça de viverem cercados, estão presos e engasgados dentro de seus próprios anseios. A linha do trem que ia até o Rio de Janeiro não existe mais. Não é a toa, todo mundo sabe bem. Pois bem. São quase quatro da madrugada e na minha frente só uma estrada. O caminho é longe, mas, pela primeira vez, estou me sentindo confortável. A lua mergulhou atrás das montanhas, há pouco, e não deve voltar por agora. Sigo escutando Muddy Watters e tenho muito pouco com o que me preocupar. Mantenha-se acordado - Te escrevo quando chegar lá.
Bernardo Biagioni