Não passavam das quatro horas da madrugada - disso lembro bem. Eu tinha acabado de chegar de Kahuil, um vilarejo perto de Pichilemu, a outra vila onde eu estava hospedado. Trabalhava ali como jornalista, perdido no meio do Chile como um bom entendedor de surf que não sou. Não havia ninguém por perto e meu espanhol vez ou outra se confundia com um italiano ainda mais rudimentar. O pânico descia pelas frestas de suor na testa até romper no peito aberto, nítida expressão dos 32º que assolavam minha serenidade, mesmo durante a noite. O orvalho matinal seguia em seu tormento de lubrificar a janela dos carros estacionados, uma investida inútil que não apagava a chama que consumia toda aquela lataria enferrujada. Uma segunda onda de pânico veio quando ouvi vozes de algum lugar perto do mar. Pensei nas ondas, em sua inescrupulosa força que invade pela noite invisível até morrer na areia. Senti medo do meu destino ser semelhante. Esfreguei os olhos pela décima vez e apertei os passos, atracando os dedos nos chinelos que havia comprado no dia anterior. Foi então que percebi os contornos de um corpo extendido na praia. Era inevitável pensar na morte. Mas ali estava algo em movimento, cabelos loiros se misturavam à areia que era levada pelo vento. Era uma dança constante, desinibida e intensa. A garota estava nua, como fui notando à medida que chegava mais perto. A sua solidão era acompanhada pelo mar que refletia uma imensidão de estrelas, cada qual com suas brincadeiras nas ondas, como algas, sendo guiadas pelo caminhar das águas. Prendi minha respiração e continuei caminhando por entre as folhagens, tentando dosar o espírito voyeur que aflorava do meu corpo. O crepitar dos galhos que eu seguia pisoteando com cuidado fez curvar o rosto da menina. Abaixei. Ela levantou-se sem se vestir e veio andando sem dificuldade na areia fina, até parar a alguns metros de onde eu me escondia. "Pode sair", falou, baixinho, quase num sussurro. Obedeci, mesmo com as pernas visivelmente instáveis. Parei bem à sua frente e silenciei qualquer indício de respiração que pudessem exigir os meus pulmões. Ela me olhou inteiro, sem esquecer nada. A eternidade daquele momento foi interrompida por uma ordem: "Tira!", disse, apontando para a minha calça lavada pela maresia oceânica. Obedeci, pela segunda vez, enquanto fitava seus olhos - eu não conseguia encontrar outro lugar confortável para repousar minha visão. Ela sorriu, talvez o sorriso mais malicioso que este mundo já teve, e correu os dedos pelos cabelos com tranquilidade. Sem falar nada, virou-se lentamente e saiu andando até mergulhar de novo na escuridão. Antes que desaparecesse por completo, porém, chamou-me por um nome que não era meu e sorriu de novo. Olhei para os lados sem receio e sai em disparada. O caminho estava desenhado na areia.
Bernardo Biagioni
Bernardo Biagioni
Um comentário:
1. tinha d ser uma sereia loira!!!! (hahah, n resisti)
2. a safada falou ainda o nome do amante?? ta malz heim??
3. (tentando imaginar tua cara de poeta c as calças arriadas)
4. esse erotismo ta muito romantico apesar dos diálogos bem masculinos....
=*****
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