Carlos Gardel arrastou-a para um passo de tango, brincando com o tempo que aguaçava o vidraçal. Ela ergueu-se no ponto, deu de ombros e apresentou-se ao coral. Pois antes de chegar bem perto, fuzilou-o com os olhos, correu os dedos pelos cabelos e fechou o sorriso. Brincou com o vestido rodado, o sapatinho desamarrado e as pulseiras nos pulsos. Arrancou um fino da vitrola, arranhou o disco negro e colocou na faixa seguinte. Carlos cantava, ela se entreolhava no espelho com um suspiro azedo de quem diz: me ajuda! Mas parecia bem, tão bem que sorriu de novo, arrastou-se pelos quatro cantos do quarto recordando a velha canção. E estirou-se na cama, feito uma boneca mal-tratada, uma camiseta mal-lavada pelo destino incerto. Tão logo deitou, tão logo rasgou seus verbos, inúteis trocadilhos perversos que judiavam da poesia. Sorveu do vinho vencido e reclamou do vinagre que passou a lhe consumir a serenidade do estômago. Por fim, deu-se por vencida, levantou decidida e esticou a mão direita: “Garçom, se puder peço que me traga a conta! E vou logo avisando, pode dependurar essa merda de couvert pela ponta, que hoje eu não pago não.”
Bernardo Biagioni
Um comentário:
Gostei muuuito. A desgarredez com que proseia neste texto é de se fixar o olhar...
Parabéns.
Dê uma passadinha no meu blog.
xD
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