quarta-feira, maio 26, 2010

Orgasmos múltiplos

Hoje acordei com ela no telefone, do outro lado da linha, do outro lado do mundo, ofegante e enlouquecidamente apaixonada, apaixonada com a vida, dizendo que agora se sentia dona da própria poesia, dos desatinos destemidos que tinha descrito nas esquinas iluminadas da França por culpa daquele velho sujeito conhecido como Rimbaud, o poeta arrebatador dos descabimentos humanos, das escolhas perenes, dos sonhos platônicos adormecidos em peitos suficientemente preparados para receber a Salvação divina.

Sua voz tinha tudo aquilo que dizia Nina Simone enquanto não sabia que estava provocando um colapso no universo, de pé no palco do teatro empoeirado recitando versos perversos para uma plateia vazia. Eram – e ainda são - apenas dois ou três pagantes que suportam respirar tanta primaria, essa obra-prima pronta e desesperada que á Vida na sua essência, na sua insistência em se desabrochar em tantos cantos, em tantos acalantos, em cores e desamores perdidos nas músicas que atravessam cada um dos oceanos até despertar suspiros desmedidos em corações calorosamente desencontrados.

Ela falava e eu entendia tudo em silêncio, sem precisar de muito tempo, e em alguns segundos já estava respirando em descompasso pelo gancho, sentindo toda minha endorfina desaguar pelas artérias, correndo pelas veias, pelos vasos mais distantes, desestruturando a organização dos meus mais sensatos pensamentos. Vi, enfim, Clarice e Caio, pensei em Kerouac e resgatei Vinícius, todos eles juntos em uma mesa de bar, de frente para o mar, e depois na cama, aonde todos os seres irracionais se amam. Senti o mundo inteiro subitamente se implodindo em pedaços. Em pedaços múltiplos, despedaçados, loucos e entorpecidamente alucinados. Como orgasmos.

Bernardo Biagioni

quarta-feira, maio 19, 2010

Leva muito tempo para se tornar uma pessoa simples

Não quero que você se esqueça de hoje. E não falo só dos beijos, dos nossos desejos entregues ao tempo, ou ainda da ondulação do vento, o universo inteiro em tormento e nós dois encostados de frente para o campo, para as flores vivas do campo, nos amando em silêncio. Quero que seja eternizada essa simplicidade, essa nossa brincadeira de dizer sempre a verdade, de encostar rosto com rosto só para sentir uma alma respirando a outra alma, a outra aura, sem pedir nada em troca, nada de volta.

Quero lembrar de hoje no futuro, quando o mundo não for assim tão seguro, quando estivermos atravessando outros outonos em campos distantes, em caminhos contrários, em sentidos errantes. Vamos sorrir por termos sido pessoas simples, com vontades simples, os sentimentos certos, nada perversos por entre as desventuras dos nossos sonhos mais grandiosos, escrupulosos e entristecidamente enganosos. Não quero que desapareça tudo que conversamos, tudo que não evitamos, e a maneira como encaramos, um dia, como é uma noite amanhecendo.

Eternamente quero lembrar o dia em que nos apaixonamos.


Bernardo Biagioni
The Beautiful Girls - My lastest mistake

domingo, maio 16, 2010

Pelos lírios do campo

Eu não nasci para te perder, para me arrepender, para não ser capaz de desprender todas as palavras que se embaralham confusas e difusas na minha cabeça, nas minhas lembranças de ontem, nos planos despretensiosos para amanhã. Fecho os olhos e ainda consigo sentir o vento, o cheiro do frio, o sol amanhecendo por cima dos lírios do campo, os nossos sorrisos se confundindo pelo retrovisor do carro, no reflexo das janelas, nos nossos olhos contaminados pela felicidade plena. Chego a ficar sem o que dizer, sem o que escrever, subitamente sem fôlego, irremediavelmente louco no meio da lucidez que é o amanhecer do dia. Acordei hoje apaixonado - como eu nasci para ser – e agora agradeço a vida, às escolhas da vida, pelas duas chances que tivemos de viver. Juntos.

Bernardo Biagioni

quinta-feira, maio 13, 2010

Fragile Moment

Deixa eu passar aí pra gente fumar um cigarro - prometo que vai ser rápido - hoje acordei com tanto para dizer, um tanto para contar, um tanto que não dá mais para esconder. Não tomarei muito do seu tempo, da sua vida, serão dois ou três tragos e então a despedida, dessa vez bem contida, como não poderia deixar de ser. Quero te falar das músicas que andei ouvindo, dos caminhos que estive descobrindo e das tardes frias que senti saudade, que senti vontade de bater aí na sua porta para te roubar para mim – sim, simples assim – para enfim partirmos adiante, avante, como já foram os nossos sonhos, as nossas promessas, as nossas conversas desperdiçadas pelos percalços da insensibilidade humana.

Não, não quero te fazer mudar de ideia.

Será apenas a minha mão na sua mão, um abraço distante e um beijo – faz algum tempo que não te vejo como te via, e acho que o nosso velho encontro ao menos parece digno de não ser engavetado, evitado, voluntariamente desmemorado das nossas memórias. Tenho aqui comigo uma última carta, as minhas últimas palavras, letras combinadas em lágrimas que passei muito tempo evitando, adiando e prolongando. Vou ler nos seus ouvidos – no meio do silêncio absoluto – e em seguida eu saio, vou embora, anuncio que chegou a hora, a nossa hora, de nos enganarmos pensando que podemos ser felizes esquecendo a nossa história.


Bernardo Biagioni
Dubbly - Fragile Moment

domingo, maio 09, 2010

Sobre todos os outros amanhãs

Daqui para frente eu não serei responsável por nada que acontecer entre a gente. Nada. Não me culpe se nos apaixonarmos perdidamente no meio de uma terça-feira de frio ou mesmo se, assim, de repente, a gente inventar de desbravar os nossos instintos adormecidos em uma fuga rápida pelas entranhas despedaçadas do mundo, escondidas no fundo de uma dessas estradas abandonadas. Eu nada tenho a ver com os beijos que vamos inventar, os abraços que nunca vamos evitar, ou as flores que você vai encontrar escondidas sob cada uma das palavras que eu arriscar envelopar em uma carta cheia de cores, de deliciosos dissabores.

Daqui para frente eu não serei responsável por nenhuma das nossas límpidas lágrimas de saudade, das vontades que já se acometem das nossas almas, e de cada uma das infelicidades que baterão três vezes em nossas portas quando os nossos caminhos insistirem que devemos passar uma única noite separados. Não me culpe até por termos andando tanto tempo separados, insensivelmente despreparados para sentir no peito, sem medo, essa felicidade que só pode ser felicidade quando irreparavelmente compartilhada. Eu nada tenho a ver com os Encontros, com os Desencontros, com Vinícius, com Dylan e com a poesia da Vida, ou então já teria você aqui comigo, deslizando os dedos pelas gotas de chuva que escorrem desesperadas nessa última noite de frio.

Daqui para sempre não me culpe se você se pegar cantando sozinha no espelho, se passar um dia inteiro repetindo a mesma música, a mesma cena, a mesma conversa, mesmo que ela não seja nada complexa no meio dessa complicação que é o mundo. Eu nada tenho a ver com tudo que vamos dizer, com todas as escolhas que viermos a fazer, e com as palavras de amor que ousarmos combinar em equações fundamentalmente simples, tolas e aparentemente bobas. Não me culpe se vamos algum dia nos amar, se nunca mais vamos nos esquecer, ou se tudo isso subitamente desparecer.

Eu não tenho culpa do destino ter escolhido Eu e Você.

Bernardo Biagioni
Bob Dylan - Visions of Johanna

quinta-feira, maio 06, 2010

Marinheiro Só

Coitado do homem,
O homem à deriva no mar...
Ele não é de amar,
Ele é deVagar.