quinta-feira, julho 23, 2009

Cinco minutos

Dançava sozinha no canto escuro de uma velha espelunca do Centro da cidade. Os cabelos envoltos no vento frio que corria pelas janelas entreabertas e um vestido que dançava quase involuntário pelo assoalho sujo do século passado. Não sorria e não parecia triste, apenas existia em algum pedaço do seu tempo, de suas vagas lembranças e suas sofregas cobranças. Clarissa, se chamava, e toda vez que soprava seu nome pelos lábios quase virgens, tinha que sorrir logo em seguida, como um rito bobo mantido com o passar dos anos. E até ali só tinham sido vinte e uma primaveras, trinta e duas viagens de férias e umas tantas dúzias de horas dentro de um Ford Galaxie, de 1970, onde costumava escapar do mundo em finais de semanas curtos e pouco planejados. Lembro que nesta noite em especial, antes de colocar a Sua música para tocar pelos alto-falantes estratégicamente posicionados entre a sinuca e uma geladeira, ela estava no telefone, estatelando as cordas vocais e praguejando contra algum infeliz que atendia do outro lado: "Nunca mais me procure", disse, antes de socar o fone no gancho com uma força que nunca vi igual e cruzar o bar gesticulando alguma coisa que ninguém entendia. Pediu uma cerveja, agradeceu e abriu a garrafa girando com calma os dedos pela tampinha emperrada. Deu um gole, depois dois, e me olhou no fundo dos olhos como se pela primeira vez tivesse visto que não estava ali sozinha. E eu sentado poucas cadeiras depois, poucos metros depois, sob uma luz amarela e fraca, com o jornal do dia anterior aberto sobre a mesa cheio de notícias velhas e desinteressantes. Sorri, ela sorriu, trocamos os dedos por baixo do balcão de madeira e ela me disse as palavras mais incríveis que já escutei nesta vida. Pena que elas jamais conseguiriam sobreviver escritas.

Bernardo Biagioni

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