sexta-feira, abril 30, 2010

A eterna insalubridade do nosso destino

Não é para fazer sentido. Nem mesmo quero ver sentido no silêncio que sinto quando minto no espelho do banheiro tudo que pensei ao longo de um dia inteiro. Meu sentimento de felicidade é corriqueiro – mas, qual não é? - a vida nada mais é do que uma profusão de milésimos de segundos de distúrbios involuntários, cenas e quadros divididos em sorrisos e em desesperos, amor e medo, combates desajustados na leviandade do destino.

Veja eu e você. Eu e você não fazemos sentido. Nosso encontro é um embaraçamento do cosmos, uma armadilha cruel dos desatinos que desafiam a ordem natural das coisas: a felicidade depois da tristeza, o crescimento depois da vida, o abraço antes da despedida, o beijo depois do beijo. Não somos assim – e nem nunca seremos. Somos vítimas dos segundos atropelados pelos segundos seguintes, nossos dedos dados são relapsos do requinte que resiste na sofridão dos peitos mais puros.

Não iremos sobreviver. Você sim, mas eu talvez. Estamos condenados a se desencontrar no intermédio do caos, na matemática da vida, nos prelúdios obscuros que nunca se justificam. Somos grande demais para este universo, nenhum verso soaria correto enquanto tentasse racionalizar o que é só emoção, apenas emoção. Padeceremos, então, separados até o último momento, eternamente despreparados para chorar e ser consolado, sorrir e ser acompanhado, amar e ser amado.

Bernardo Biagioni

sexta-feira, abril 23, 2010

Esta não é uma carta de amor

Escute só todo este aperto do meu peito, chegou a hora de você tirar proveito de todo o despeito que causei em você nas palavras passadas, nas cartas não assinadas, nas madrugadas acordadas que atravessamos sozinhos em nossas casas vazias, nossos corações sentidos, sofridos e erroneamente perdidos. Sinta só a minha infelicidade, os meus textos tristes arrastados pela saudade – desde que desistimos da nossa história, tudo que fiz foi imaginar quais seriam os próximos capítulos, os próximos versículos, as próximas dezenas de cenas que poderíamos ter escrito juntos.

Depois de você, eu nunca mais fui o que costumava ser, nenhuma manhã amanheceu como antes, nenhum sol entardeceu como durante, e nenhuma noite anoiteceu como depois. Minha vida se dividiu em versos, minhas músicas perderam-se em sentidos incertos, caminhei sozinho por ruas e esquinas, em prosas e poesias, tentando inutilmente te encontrar. Da noite para o dia virei errante, andante do desamor, tudo que escrevi voou com o vento, embaralhou no tempo e foi mergulhar no mar. Depois de você – e da noite para o dia – descobri enfim o que era amar.


Bernardo Biagioni

terça-feira, abril 13, 2010

love will tear us apart again

Só você – e apenas você – foi capaz de arrancar de mim todas as minhas súplicas de amor, todas as minhas frases disfarçadas em dor, todos os meus versos desmedidos, incompreendidos, desprendidos sem qualquer dosagem insincera dos cantos e acalantos que acometem a minha alma. Apenas você viu nos meus olhos o brilho das estrelas envelhecidas, os espasmos dos meus lábios como cometas colidindo, meus passos incalculados como passeiam os viajantes mais certos, completamente incertos em seus caminhos pelo destino. Você encontrou em mim as minhas verdades mais reservadas, meus segredos adormecidos, cada um dos meus sonhos inatingidos se desafiando no colapso do espaço pequeno, tímido e contido que sempre existiu entre nós dois.

Só você – e apenas você – me flagrou sorrindo de verdade e sem sentido, nosso futuro inteiro em perigo e os nossos dedos entrelaçados logo na altura do peito. Só você viu o sol engolir a madrugada comigo, os primeiros raios da manhã caminhando vagarosamente pelas montanhas do oeste, a mesma direção que combinamos, em silêncio, que um dia fugiríamos para não mais voltar. Só você entendeu inteiramente as minhas saudades, as minhas vontades vespertinas, as palavras de desarmonia que arrisquei relembrando nossos primeiros abraços apertados de despedida. Só você – e apenas você – existiu de verdade na minha alegria – Sem você eu simplesmente não seria nem metade dos versos que sobrevivem na minha poesia.

Bernardo Biagioni