segunda-feira, março 09, 2009

Homens, álcool e poesia.

Vejo-a de longe, caminhando pelos corredores da vida. Tem o cabelo a pique, como se tivesse deixado a cama a pouco, e suas palavras saem pelo canto da boca com preguiça. Quando anda, parece leviana, se arrasta pelos azulejos gelados do chão como uma puta mal paga, viciada e corroída até os tímpanos pelas últimas doses de vinho tinto sorvidas na madrugada. O cheiro de nicotina corta seu perfume vencido, toma banho duas vezes por dia para esmorecer o THC que se impregna por seus fios de cabelos ruivos. Sua roupa está tão amassada que deve ser a mesma da semana passada – seus trapos estão em farrapos descompassados pela malevolência dos dias, culpa das noites prostituintes dos cabarés que não funcionam mais. Tenta sorrir, mas tem vergonha dos dentes verborrágicos e doentios, sua felicidade está ultrajada e ultrapassada pela sua jovialidade reprimida que se definha len-ta-men-te. Seu coração bate como uma pedra, range no peito como uma má orquestra e produz um fogo que não lhe queima a alma. Não ama mais e esqueceu todo o sabor da paixão, sua última história não foi mais que provisória e assim se conforma, então. E olha para mim como se eu tivesse o dom da cura, quando está por perto se sente segura e não quer me largar. Longe de mim não reprime o riso, parece livre e não liga para nada disso. Eu não me importo até olhar os seus chinelos, duas tiras de borracha recortadas e anexadas a um pedaço de flor. E pelas canelas ainda se nota alguma peripécia, parece um cadarço de cor amarela que envolve sua perna até chegar aos joelhos judiados pelo tempo que esteve ‘andando por aí’. Vejo-a de longe e parece apenas um pedaço de ser humano, funciona vinte e quatro horas por dia como uma expressão póstuma dos sacolejos verdadeiros da vida, um maltrapilho maltratado pelas desavenças do cotidiano. Não pensa mais desde quando descobriu a cola, a droga e o carnaval – Nos últimos dois anos esteve atravessando a rotina do mundo como um nobre vagabundo sem ter onde repousar. Vem se aproximando devagarzinho dançando, para ela todo dia é dia de tango, e tenta me abraçar. Recuso seu abraço com meus braços e reclamo do mau-cheiro – estamos diante do banheiro e as minhas narinas não estão se contorcendo com o cheiro que vem de lá. A culpa toda é dela, que tem essa língua depravante, rígida e seca, feito uma madeira imperfeita lapidada diretamente na encosta de uma árvore deposta. Mas antes de tudo, é uma boa pessoa, chega cedo, não se demora, e logo se esvai pelas entranhas da cidade. Não tem bondade, eu sei, mas a sua única maldade está na repulsa estúpida de não gozar dos prazeres vis do mundo. Em certo ponto ela até se parece bastante comigo. Fica assim sentada na cadeira, dura e muda, cultivando e se alimentando de versos esdrúxulos e inverossímeis de um poeta que não se formou em poesia. Ela sorri quando a noite se pronuncia por entre as colinas, mas a verdade é que ainda não sabe nada sobre homens, álcool e alegria. Sua sabedoria dura tanto quanto o cigarro que fuma, cada trago é uma despedida de sua vida solitária, imunda e desmerecida. Quanta merda bebe essa menina.

Bernardo Biagioni

3 comentários:

Anônimo disse...

vc me surpreende.

Darlan Caires disse...

Criatividade e descrição precisa. Precisa dizer algo mais? Uau. Seu post me lembra "Natasha - Capital Inicial".

Raulzito disse...

ahhhhhhhhhhh não!!!

Capital é osso.

huashudasudashudasuhdashudsauh

Bonitão o texto mano.