quinta-feira, janeiro 10, 2008

Tempos Estranhos

Olhe bem em volta meu amigo, os tempos estão estranhos. Esperava o ônibus escondido sob um toldo minúsculo, os pingos de chuva pintavam minha camisa e meu nobre-companheiro-vizinho-de-espera-do-ônibus não cedeu nem mesmo um cantinho no verdadeiro guarda-sol que carregava. Tanto faz, mais tarde ele iria passar por poucas e boas. Corri a mão pelos bolsos para resgatar um pedacinho daquele velho fone de ouvido, peguei-o antes que tocasse o chão colorido por chicletes antigos.

Ao reerguer a cabeça estava trocando olhares com o motorista da linha 747, ele gritava e abanava os braços como se fosse um macaco: “não vai subir não, ô idiota?”. Pelo menos foi o que eu consegui escutar, não hei de saber o que havia dito antes ou depois, o som nos meus ouvidos já estavam altos em demasia. As janelas estavam todas fechadas, olhares mais atentos conseguiria enxergar uma fumaçinha saindo da lateral esquerda do ônibus, um homem esfregando as costas do outro, uma mulher aproveitando a temperatura para espremer uns cravos encravados no orifício auditivo direito.

Para fazes jus ao ambiente “sauna gay” um moleque baixinho cuidando bem mal de seus 12 anos levantou no meio da muvuca: “Boa tarde. Poderia ta matando, seqüestrando ou estuprando as madames. Mas to aqui pra vender pedras de eucalipto. Você pode colocar no seu carro, no seu quarto, no banheiro e vai ficar esse cheirinho bacana!” Um sujeito de sunga levantou bem no fundo do “balaio” e ofereceu seu lance: “É meu! Pago 20 merréis nessa porrinha!” Ninguém entendeu merda nenhuma. O amigo levantou enquanto deslizava as mãos pela face buscando uma pitada de suor para auxiliar na contagem das notas.

A situação se normalizava, algumas janelas eram abertas para evacuar aquele cheiro enjoativo e uns engraçadinhos emparelhavam o carro na velocidade do busão gritando freneticamente: “Eii seu motô me dá uma bola desse eucalipto aí”. E os filha-da-puta riam desesperadamente enquanto dichavavam-enrolavam-e-cochavam o próprio baseado.

Uma freada brusca colou o corpo enrugado de uma senhora de idade no vidro dianteiro da embarcação. Subiu à bordo três malucos com meia-calça na cabeça gritando para qualquer cabeça de todo o quarteirão ouvir: “Todo mundo parado, isso é um assalto”. Vale lembrar que as pessoas não costumam caminhar enquanto fazem uma viagem tranqüila em uma linha de ônibus tradicional. A primeira badalada da arma de fogo do cidadão fantasiado acertou um passarinho que fazia ponto por aquelas bandas e fez com que todo mundo descesse correndo por todos os cantos do balaio. Os três malucos ficaram completamente desordenados com a confusão e não puderam evitar nem mesmo a fuga do motorista e do trocador.

Os filha-da-puta da meia calça descarregaram o tambor da arma enquanto assistiam as últimas almas desaparecerem na esquina. Rodaram a chave na ignição e levaram embora o último carro operacional da linha 747. Tempos estranhos, meu amigos. Tempos muuuito estranhos. Na dúvida, pegue um táxi.

Bernardo Biagioni

Um comentário:

Rebeca Arrais disse...

strange times indeed my friend...