quarta-feira, janeiro 27, 2010

Acordar de sonhos intranquilos

Ela disse que ficaria mais cinco minutos, nem um segundo a mais. Levantou da cama com calma, cobriu todo o corpo com uma camiseta velha que tinha achado no guarda-roupas, e acendeu um cigarro na janela aberta, olhando a cidade dormindo lá em baixo. Pensou no que tinha feito, no que estava fazendo, e no que faria mais tarde, trinta minutos mais tarde, quando o dia estaria amanhecendo. Pensou em nós dois, no que conversamos antes, nas promessas que fizemos para depois, e no agora - agora que tudo estava fazendo sentido. Então apagou no silêncio o cigarro, e deitou mais uma vez do meu lado. Sorrindo.

Bernardo Biagioni

domingo, janeiro 24, 2010

Viajo porque preciso, volto porque te amo

Tudo mudou desde que você foi embora. Choveu quatro ou cinco noites seguidas, fez um pouco de frio, e tive até que aposentar alguns dos meus destinos preferidos, todos que lembravam você. Coloquei mais uma vez a minha vida na estrada, dessa vez sozinho, e tentei me convencer que um pouco de viagem me faria esquecer de nós dois, das nossas conversas, e dos olhares que trocamos no dia que saímos por aí para desbravar as entranhas esquecidas do mundo.

Sinto sua falta, confesso.

Ontem, no caminho, tudo me lembrou você, todas as cidades, bares e botecos, as casas brancas pequenas estiradas no meio das montanhas, e as gotas de chuva tristes que dançavam no ar antes de serem atropeladas pelo carro, pelo vento, e pelo movimento das folhas na copa das árvores. Pensei em você quando encontrei uma cachoeira escorrendo pela serra e pensei depois, quando mergulhei fundo na água, bem fundo, vendo os peixes se espalharem pela luz do sol submersa além da superfície.

Você foi, mas ficou no meu peito e nas minhas palavras confusas, deixou em mim uma saudade solitária, tímida e contida. Se hoje vivo é porque sigo indecisamente firme, silencioso e certo na estrada; dirijo trôpego pela direção errada sem medo nenhum de aceitar e reconhecer: como doeu amar você.

Bernardo Biagioni

quinta-feira, janeiro 21, 2010

Cristais

Fica perto do céu e não dá medo de cair, mesmo se colocar os pés para fora das pedras que ficam no ponto mais alto da montanha. De noite dá para imaginar o mar mergulhando na escuridão do horizonte, ilhas e cidades distantes cintilando, brilhando e riscando a imensidão da madrugada. Tem sempre cheiro de chuva, um vento frio que nunca dói sentir e ainda de olhos fechados dá para ver as estrelas, os planetas e os carros que passam lá em baixo. Acelerando, indo, e voltando. Pegando o caminho mais longo para casa.

Bernardo Biagioni

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Pessoa

Até que a gente desapareça haverá vestígios, restos e resquícios de tudo que sentimos enquanto fomos só e apenas enlouquecidamente apaixonados pelo mundo e, sobretudo, um pelo o outro. Nossos beijos no escuro, nossos silêncios repentinos e nossas conversas cheias de vontade de serem mais sinceras, menos contidas. Ficará ainda um tanto de saudade, um pouco de vontade de voltar no tempo, e uma certeza imensuravelmente plena, de que até o nosso desencontro tenha valido a pena.

Bernardo Biagioni
Bedouin Soundclash - Until we burn

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Leste

Te pego aí na quarta, ou talvez na terça, e antes de anoitecer colocamos as malas no carro e partimos, no caminho decidimos que caminho vamos pegar. Pensei em ir para o mar, alguma cidade no mar, um lugar onde a gente possa mergulhar os pés na areia e ficar ouvindo o barulho das ondas sem se preocupar com o que ficou para trás, no passado. Não conte para ninguém – ou apenas para quem possa entender – e já pode ir se preparando, se arrumando e se libertando. Porque a gente vai sem ter dia para voltar.

Bernardo Biagioni

terça-feira, janeiro 12, 2010

Fora no fim de semana

Quero viajar com você. Te ver do meu lado enquanto estivermos indo, seguindo e avançando, desenhando nossos passos no mapa enquanto cortamos a madrugada fria. Ver seus cabelos voando pela janela aberta, as estrelas mergulhando no contorno das montanhas e sentir mais uma vez o cheiro do campo, das cidades que ficam no caminho, todas iluminadas. Minhas mãos nas suas, as nossas conversas todas mudas, e a nossa saudade lamentando, se esvaindo, e recusando. Inutilmente resistindo ao que é inevitável, irreparável e necessário. Você e eu.

Bernardo Biagioni
Neil Young - Out on the weekend

terça-feira, janeiro 05, 2010

00

Você, Tim Maia, a transa de Caetano Veloso, Neil Young em Helpless, a gaita de Helpless, os lamentos silenciosos de Slow Blues, as ervas e cervas de Charles, os encontros com o comandante Kerouac, noites com Simone nos becos dos bares sujos do continente sul-americano, tardes de sol em estradas perdidas com os solos de Page, os nossos beijos deitados na cama, no canto da cama, as taças de vinho quebradas, as noites atravessadas no álcool, no carro, no banco de trás do carro, nas ruas desertas cheias de mistério, de medo e de paixão. A gente com tudo, e ainda querendo mais. Tempos estranhos, eu sei. Tempos que não ficam para trás.

Bernardo Biagioni