quarta-feira, outubro 28, 2009

para você

Tudo bem que eu não estou aqui muito bem - se é que você me entende - mas em todo caso, essa música me fez ver você, me fez lembrar de você, lembrar de nós dois enquanto éramos apenas nós dois. Lembrei daquela noite que viramos juntos sentados no carro conversando, você me evitando sorrindo e tudo, tudo perfeitamente no lugar. Lembrei também do dia seguinte, da tarde seguinte, das nossas noites vazias e das conversas que nunca conversamos, sempre evitando falar de futuro. Lembrei do vento no seu cabelo no dia em que nos conhecemos, as primeiras palavras, os primeiros silêncios e os quatro ou cinco encontros que desperdiçamos só naquela semana. Enfim. A música é para você, um presente meu para você, e se gostar guarde para depois. Guarde para quando voltarmos a ser nós dois.

Bernardo Biagioni
Dispatch - Hey Hey

quarta-feira, outubro 21, 2009

21

Não sei mais como me segurar e não te ligar para dizer tudo que estive pensando nestas últimas cinco ou seis madrugadas vazias que passei na rua, nas ruas, trocando sempre de esquinas, de músicas, de súplicas. Cantando e errando, subindo e descendo, pedindo sozinho e em silêncio para que não chova, para que eu não tenha que ir embora tão cedo enquanto há tanto para ver, tanto para viver. Estou me enganando e enganando o nosso tempo, o que vamos ser e o que fomos nas madrugadas que dividimos, nos beijos que nos permitimos e nas conversas que desconversamos. Foi - e continua sendo - amor em silêncio, medo e desejo, e vinte e tantos desencontros. Vontade e vontade.

Bernardo Biagioni

sábado, outubro 17, 2009

Liberdade

Me ligou para contar que agora está se sentindo finalmente livre, e realmente livre, e que estava com as malas jogadas no banco de trás do carro, os vidros todos abaixados e acelerando sem ter onde chegar. Disse que tinha aprendido, que tinha entendido o segredo, e que estava suficientemente preparada para colocar tudo em prática, tudo na estrada, e assim poder fugir de si mesma. Senti daqui que ela estava sorrindo de lá e senti que era verdade, que estava acontecendo de verdade, e que ela estava mesmo indo – finalmente indo – indo atrás de sua inconsolada liberdade.

Bernardo Biagioni

quinta-feira, outubro 15, 2009

Hoje

Ameaçou que ia chover e não choveu e daqui de cima da varanda eu vi um casal colocando as malas de volta no carro, os sorrisos de volta nos rostos e a tristeza toda ficando para trás, ficando no passeio, aonde só tinham caído três ou quatro gotas de chuva. Ele estendeu o braço direito, fechou o porta-malas com calma e voltou o rosto para trás, depois o corpo inteiro para trás, e ficou olhando até o ponto onde a sua rua desaparecia no horizonte. Talvez fosse a última vez que veria aquela rua. Ou talvez tenha sido a primeira. E então apertou os dedos na palma da mão, colocou a perna direita em movimento e abriu a porta do carro sorrindo até não poder mais. Estavam partindo na primavera, juntos, exatamente como haviam combinado no dia em que se conheceram. Hoje.


Bernardo Biagioni

quinta-feira, outubro 08, 2009

Sexo

Ela tinha mesmo era medo do silêncio. E também por isso cantarolava sozinha no escuro todas as noites quando já estava deitada na cama, ficava desenhando com os dedos no teto as letras do seu nome, rememorava as últimas quatro ou sete desventuras que tinha escrito, e seguia sorrindo largamente tropeçando nas músicas que arrastava não por simples necessidade. Puxava o rádio desligado para perto da cama e apertava os botões com calma, já tinha decorado que o segundo da esquerda para a direita colocava a música para desligar em vinte e cinco minutos. Então agradecia – mas não a alguem ou a alguma força mágica superior – e virava de lado, bem de lado, que era para poder dormir ouvindo o barulho que vinha dos vizinhos de baixo, que estavam sempre acordados.

Bernardo Biagioni

quarta-feira, outubro 07, 2009

Por fim

Já não espero mais nada de você e isso é tudo que sei sobre nós dois agora que já fazem dois ou três meses depois de termos dividido algumas palavras juntos, sorrindo um para o outro e para os caminhos perdidos do mundo. Agora sei que você nunca vai fugir, que não vai deixar de mentir e que vai seguir para sempre me evitando e se evitando, nunca se olhando no espelho, e nunca encarando de frente todos esses seus intermináveis desejos que ficam indo e voltando por cada canto do seu corpo. E também sei que não vai aceitar minhas viagens, essas minhas vontades repentinas, minhas investidas vespertinas e os textos que escrevo cheio de saudade, cheio de liberdade e transbordando de todas as verdades mais sinceras que já tive coragem de confessar. Pode ser tarde, mas agora eu entendi. Agora sei que você prefere ficar assim, perdida, enganosamente feliz e longe, muito longe de mim.

Bernardo Biagioni

terça-feira, outubro 06, 2009

danse

Veja bem que agora sim está tudo bem, meu amor, meus verbos em versos, minhas conversas desconversadas em prosa e minha cabeça acertada com as solicitudes da alma, essa louca e desgraçada que não me deixou dormir nos últimos, sei lá, cinco ou seis meses. Estou escrevendo ininterruptamente, desenhando, imaginando e sonhando com tudo que ainda poderemos viver aqui dentro do meu quarto, do seu carro, daquelas noites e destas noites tão quentes que ficam insistindo em atravessar a primavera para regar as flores, as cores e todos os amores que se amam nas ruas escuras. Estou te amando em silêncio – gritando para mim mesmo – e cantando, chamando e proclamando o futuro que está no futuro nos esperando. Assim ó, dançando.

Bernardo Biagioni