quinta-feira, julho 30, 2009

Samba

É porque você não sabe o que vai acontecer com você quando nosso instante chegar. Nada que você possa ter lido, assistido ou ouvido chegará perto de tudo que tenho para te mostrar, as cartas que te escrevi, os lugares que visitei e tudo que me disseram sobre o mundo. Serei então completamente, exclusivamente e por alguns meses até "eternamente" seu e apenas seu. Portanto atenda, atenda a todos estes meus tantos pedidos desconcertados que vez ou outra chegam até você e não impeça o descompasso deste samba. Aceite pois o meu teatro, minha nada poesia e tudo que estive rabiscando enquanto você assustadoramente Dormia deixando a vida passar. Seus dias estão mudando, meu bem. Mude você também.

Bernardo Biagioni

quarta-feira, julho 29, 2009

Costa

Parecia um desses personagens enigmáticos treinados por Wim Wenders, bastava olhar para seu rosto para sentir uma inquietude distante e ansiosa. Mesmo seu semblante sobrou esfalecido pelos dias em que esteve viajando para dentro da própria cabeça. Gesticulava mais porque já não dizia tanto quando antes, seus verbetes bem-selecionados por ora passeavam pelas canetas que costumava carregar nos bolsos por onde se aventurava. Silencioso, muito silencioso. Tive com ele um dia desses em algum espelho de bar engordurado e trincado da cidade e nos olhamos nos olhos até que todos os nossos olhos pudessem lacrimejar. Pela primeira vez pude ver as suas rugas, seu relógio em pleno funcionamento e até os cabelos se esbranquiçando. Sibilava sussurros incompreensíveis e sorria um sentimento descomunal. Não parecia estar voltando de uma viagem ou se preparando para outra, como muito gostava de fazer nas tardes de inverno. Apenas parecia satisfeito de estar ali, do outro lado, imitando os meus sorrisos e desconversando as minhas conversas em silêncios repentinos.

Bernardo Biagioni

terça-feira, julho 28, 2009

Terças.

Vê se então me escuta, já que não acredita, entende ou pretende entender tudo que estive rabiscando por estes papéis vencidos nos últimos vinte e tantos dias. Tanta poesia barata, pouco trabalhada e salpicada pelas injúrias do álcool consumido em todos os bares do mundo é a maior sinceridade que venho tentando esboçar. Lembre logo de ontem, ou talvez de anteontem, quando cruzamos a noite e vimos o dia ser dia bem acima dos nossos olhos nunca desapaixonados. Aqueles tantos e tantos abraços apertados, beijos por todos os cantos e cabelos por todos os lados ainda estão envoltos na melhor das minhas memórias. Mais do que nunca ando perdido, olhar distante e sozinho, bêbabo, cambalente e trocando versos vazios com vazios cheios de versos. Apaixonado, por que não? Desconcertado, tropeçado e escrevendo um, dois, três e quantos outros textos forem necessários por noite. Finalmente aqui estou eu: sentado na varanda, luz apagada, respirando minhas intermináveis lembranças e esperando o nosso instante chegar.

Bernardo Biagioni

quinta-feira, julho 23, 2009

Fernando Costa de Faria Biagioni

E ali então vai ele, camisa de malha preta, jeans arrastando pelo chão e o par de tênis que nunca foi lavado, caminhando, brincando com as próprias incertezas e sem nunca olhar para trás. "Seu Antônio" assiste tudo do último andar, sombrancelhas caindo pelos olhos e o rosto todo tenso, preocupado, cheio de velhas morais católicas que ficam remoendo pelo seu estômago junto dos últimos queijos Minas que gostou de provar. A vizinhança sabe que o sujeito está mesmo indo embora, que os passos vão continuar passeando com firmeza pelo labirinto de buracos que é aquela calçada antiga de uma tradicional cidade mineira custe o que custar. Estão todos prostrados de fronte as tendas, quitandas, barzinhos de uma cerveja só e vendinhas de um e noventa e nove, olhando e cochichando sobre o prodígio que debandou do barco, pulou a cerca e agora vai tomar o mundo por entre os dedos como se fosse apenas tomar o mundo por entre os dedos. "Vamos, vamos atrás dele", alguém diz, outro repete, mas um terceiro presente estica o dedo e manda que fiquem exatamente onde eles estão. Este último sabe e nem precisa explicar para ninguem a razão de deixar tudo como está: Este momento é só e apenas de Fernando Costa de Faria Biagioni e ninguém, escutem, ninguém vai impedir que ele fuja para sempre da liberdade contida que tentou viver nos últimos vinte e tantos anos. "Vá, menino!" Vá viver o que a vida quer que você viva.

Cinco minutos

Dançava sozinha no canto escuro de uma velha espelunca do Centro da cidade. Os cabelos envoltos no vento frio que corria pelas janelas entreabertas e um vestido que dançava quase involuntário pelo assoalho sujo do século passado. Não sorria e não parecia triste, apenas existia em algum pedaço do seu tempo, de suas vagas lembranças e suas sofregas cobranças. Clarissa, se chamava, e toda vez que soprava seu nome pelos lábios quase virgens, tinha que sorrir logo em seguida, como um rito bobo mantido com o passar dos anos. E até ali só tinham sido vinte e uma primaveras, trinta e duas viagens de férias e umas tantas dúzias de horas dentro de um Ford Galaxie, de 1970, onde costumava escapar do mundo em finais de semanas curtos e pouco planejados. Lembro que nesta noite em especial, antes de colocar a Sua música para tocar pelos alto-falantes estratégicamente posicionados entre a sinuca e uma geladeira, ela estava no telefone, estatelando as cordas vocais e praguejando contra algum infeliz que atendia do outro lado: "Nunca mais me procure", disse, antes de socar o fone no gancho com uma força que nunca vi igual e cruzar o bar gesticulando alguma coisa que ninguém entendia. Pediu uma cerveja, agradeceu e abriu a garrafa girando com calma os dedos pela tampinha emperrada. Deu um gole, depois dois, e me olhou no fundo dos olhos como se pela primeira vez tivesse visto que não estava ali sozinha. E eu sentado poucas cadeiras depois, poucos metros depois, sob uma luz amarela e fraca, com o jornal do dia anterior aberto sobre a mesa cheio de notícias velhas e desinteressantes. Sorri, ela sorriu, trocamos os dedos por baixo do balcão de madeira e ela me disse as palavras mais incríveis que já escutei nesta vida. Pena que elas jamais conseguiriam sobreviver escritas.

Bernardo Biagioni

domingo, julho 19, 2009

L.

Cento e quarenta e oito quilômetros por hora e acelerando. A música nunca é alta o bastante quando o carro está a cento e quarenta e oito quilômetros por hora e acelerando. Não há mais certezas e incertezas, horários e compromissos - passado e futuro agora se confundem na linha tênue do tempo. E você, apenas você, ondulando pelos horizontes distantes, paisagens virgens e atalhos entrerecortados pelos traços calculados de um mapa largado no banco de trás. "Aumenta", a vida implora. Mas já não há o que aumentar. Eu e você, o que fomos e o que seremos - enfim juntos, na mesma direção, seguindo na direção contrária de todas as últimas mazelas dos nossos insatisfeitos sentimentos. Agora estamos rumo à liberdade. À nossa liberdade.

Bernardo Biagioni

Neruda

Vamos conversar, doutor. "Senta, toma a cadeira. Quer pedir alguma coisa?". Sim, sim. Há dias tenho pensado e planejado esse encontro. "Calma, filho. O que tem aí debaixo do casaco?". Duas latas de cerveja e uma carta que ainda não assinei. "E por que as latas continuam fechadas e a carta não está assinada?" Não sei. "Como assim você não sabe? Como alguém pode escrever uma carta e não deixar o nome?" Tenho medo. "Medo? Medo de dizer tudo que anda pensando? É isso?". É. "Quanta estupidez, menino. Lembra o que te disse sobre os poetas?". Hum? "Os verdadeiros poetas são aqueles que inspiram! Não lembra?" Lembro sim. "Então vê se aprende de uma vez e me passa logo uma latinha!"

sábado, julho 18, 2009

3:40am

- Vamos fazer o seguinte: eu passo aí daqui uns 15 minutos, preparo o meu rum com coca e gelo e a gente pega a estrada até a primeira cidade que aparecer.

- Ótimo. Só não entendi uma coisa!

- O que foi, meu bem?

- Por que você chamou o rum de "meu" rum?

México

Naquela última tarde de julho ela estava finalmente indo embora. Olhar distante, conversas perdidas e cheia de velhas vontades; dizia que aquela era a sua hora e que sairia ainda antes de amanhecer. Me deu adeus com a mochila já nas costas; arrastava as malas pelo chão com leveza, tranquilidade e sorria uma tristeza contida. Brilhava. Por mais que se falasse em saudade, futuras vontades e eternas verdades, todo nosso velho tormento agora se entendia. "México", me disse, quando arrisquei a pergunta tirando as mãos dos bolsos. Beijei-a no pescoço - como gostava nos dias de frio - ajudei a colocar uma das malas para dentro do carro e fechei o porta-malas estendendo o braço direito. Dei dois passos para trás, talvez três, e deixei que ela saisse da garagem com calma. Fiquei então em pé na calçada, olhando nossa vida toda indo embora e sorrindo, esperando que o vento voltasse a soprar mais uma vez. Apenas mais uma vez.

Bernardo Biagioni

terça-feira, julho 14, 2009

Roma

E se eu falar que é amor? Assim sem drama, trama, versos ou capítulos cuidadosamente selecionados pelo requinte do Universo, a Lei dos Versos, versadores e poetas. Tão precoce, eloquente e por ora necessário, todo este sentimento que estupefata o mundo em gargalhadas destemidas é, eu juro, a maior verdade que a minha verdade ousou confessar. Não me lembre os dias, as datas, as provas e os encontros, todos esses apetrechos bobos da razão humana que dita em lista os compassos do Peito. Livre como deve ser, é meu mais novo desacato à sofridão dos Ventos, seus caminhos tortuosos, oblíquos e controversos. Amor como se diz quando se está amando, puro como os oceanos distantes, leve como os voos das manhãs, os rompantes dos pássaros e suas penas flutuantes. Ambíguo e rosa púrpura dissimulada, insatisfeito com a insatisfação da saudade, essa outra mentira forjada dos caminhos desencontrados. Amor como só é o amor. Ríspido, rápido e momentâneo. Corre pelos sulcos da Vida como as águas de uma cachoeira em transe: Inevitável.

Bernardo Biagioni

sábado, julho 11, 2009

C.

Estou sofridamente apaixonado por você. Por tudo que escreve, descreve, ama e desanda enquanto me olha de longe, dobrando as nossas investidas vespertinas, propositalmente sem propósitos. Por culpa dos teus beijos que não beijei, os lábios que não encostei e todos os mistérios, medos, anseios e sei lá quantos mais o quê. Por conta dos teus encantos, meus encantos, nossos "entantos" e tantas outras razões traiçoeiras, rabujentas e desnecessárias, agora estou enfim te amando, desejando e implorando. Tudo que por ora escrevo, descrevo, amo e desando está em compasso com o que você diz, com os encontros que você não quis e horários que não combinamos. Por desculpas óbvias estou aqui clamando, por pouco não te ligando, para que não se abandone, não me abandone, e finalmente se liberte das garras perversas da nossa distância. Vamos, fuja, corra impune pelas ruas e vamos celebrar aquilo tudo que mereçe ser celebrado: nós dois e ponto.

Bernardo Biagioni

Rimbaud

Arrebatador de amores mundanos. Doce leviano tormento da espécie humana, um verdadeiro cachorro, como convém ser nomeado quando se entrevem pelas pernas nuas dessas noites inebriantes. Safado, indolente e nada puro, colarinho deposto, chapéu nas mãos e sua latinidade tão forjada quanto o tipo de penteado que usa. Conquistador barato, pitoresco desaparato das esquinas que cruza, dos beijos que abusa e dos amores que inspira. Dramaturgo e poeta, encena em cenas os sambas que samba em papéis avulsos, exdrúxulos e lamuriados. Amigo, profeta e para sempre galanteador. Galanteia a vida na triste garantia de que será um eterno refém de sua própria poesia. "Coitado" (...).

Bernardo Biagioni

terça-feira, julho 07, 2009

Go!

Estava torto de tão bêbado, lembro de todo aquele cheiro malidiscente do cigarro apagado que trazia entre os lábios. A barba de quarenta e cinco dias, cabelos descuidados, camisa amarrotada e um sapato cheio de lama, grama e remanescencias dos seus meses largados, perdidos e desconcertados. Cheio de histórias, desventuras boêmias pelos caminhos obscuros da cidade iluminada que havia passado em alguma noite despreocupada de Abril. Sorria como se fosse agora livre, simplesmente livre, cantando, dançando e desaforando a vida desafortunada que lhe atormentava por onde se perdia. Duas vezes mais poeta, três vezes mais sofredor e uma dúzia de vezes mais apaixonante, soberbo e vívido, todo seu sorriso sorria pecaminoso e libertino. Tinha enfim se formado em poesia, nobre desarmonia do papel levianamente rabiscado. Estava amando, amando e amando. Amava não a alguém ou a algo especial. Era simplesmente paixão pela vida que estava vivendo, tão pura e sua. Mas acabou partindo, saindo, indo, indo e indo. Me ligou numa noite escura de um velho Outubro e avisou: "Vou rodar o mundo". Daí botou o telefone no gancho, tirou um cigarro do bolso e atrevessou a rua estalando os dedos. O filho da puta continuava dançando.

Bernardo Biagioni

Nota

Estou devendo algumas atualizações ao temposestranhos, mas os dias tem andado um tanto complicados. Estive em Paraty na última semana para cobrir a FLIP e agora estou cheio de trabalho na Ragga, revista em que trabalho de segunda a sexta.

Bom, enquanto não escrevo por aqui, vocês podem me acompanhar pelo twitter (www.twitter.com/b_biagioni). Confesso que achei que nunca fosse aderir a essa "novidade", mas a ferramenta tem sido fundamental para o meu trabalho de jornalista (posso fazer coberturas ao vivo de shows, ler notícias de última hora e escrever sobre livros e filmes que ando lendo e assistindo).

E para quem gosta mesmo deste blog, volto a sugerir a comunidade Tempos Estranhos, no orkut. Gosto muito de saber quem passa por aqui, o que acham dos textos e tudo mais. "Ninguém escreve por muito tempo quando não se escreve para alguém", já dizia algum velho escritor amargurado pela falta de leitores. Portanto, é isso. Vamos juntos nestes tempos estranhos.

Volto assim que minha inspiração mandar.

Bernardo Biagioni, @b_biagioni