quinta-feira, janeiro 24, 2008

Trincando na Lâmpada da Heineken – Primeiro Eu, Você é o Próximo!

Estranho pra caralho. Atravessava o trilho do trem enquanto corria os olhos para onde a linha da maquinaria se perdia, um horizonte inacabado típico de sertão mineiro. Suava feito um gordo maltratado por horas ininterruptas de futebol dominical. Desviei minha atenção para o pedaço de cogumelo que tentava não tropeçar e acabei dando de cabeça no que parecia ser um vestígio de armadura de idade média. Só então percebi que Keurack me olhava, tinha sangue nos olhos como se houvesse sido baleado a segundos por uma Mágnum 157 ou uma arma potencialmente agressiva. Ele não percebia que sua visão estava turva, seus olhos haviam inchado cerca de 5cm ou mais e dava um aspecto aterrorizante: “Um inseto me mordeu”, por fim ele disse. Mais tarde ele descobriria que era algum tipo de réptil em extinção que lhe causaria problemas sérios, talvez uma possível amputação do órgão visual direito. ‘Tudo bem’ pensei, ‘Foda-se este cara, brincou com uma geração de beatniks e pulou do barco quando a brincadeira pegou fogo’. Mais a diante um ser hermafrodita tentava saltar de uma parede com uma dificuldade incrível. Chegando perto pude ver que era Capote, completamente noiádo, algum tipo de droga psicodélica estava zunindo seus ouvidos. A bicha louca se atracava num poste tentando algum tipo de junção que não poderia se capaz de entender. E eu continuava suando, algum tipo de objeto magnético limitava os valores dos meus movimentos, dando uma força estúpida para a gravidade que me atormentava os passos. Por um segundo um calafrio rompeu pela minha espinha fazendo que eu me curvasse instantaneamente para trás, não havia dúvidas, eu estava sendo seguido. Algum músculo posterior do meu corpo fez com que meus passos fossem acelerados, num sinal claro de que a adrenalina começava a fazer efeito assim mesmo que entrou em contato com a corrente sanguínea. Algum tipo de negro maluco vinha correndo com um instrumento de sopro na mão, na camisa dava para ler uma frase que parecia dizer: “Birth of the Cool”. Não há de ser Miles Davis, este aí já revira no sarcófago como se ainda estivesse sendo consumido por um solo de jazz interminável. ‘Tem que ter algum tipo de saída deste lugar’ pensei enquanto acelerava ainda mais o meu passo. Olhei para trás e percebi que uma multidão de hippies malucos me seguia, os olhares eram de paz, mas um medo desumano percorreu cada milímetro do meu corpo num pedido ensurdecedor: ‘corra, esse bando de maluco vai chupar seu sangue’. Assim que pensei em acionar algum tipo de dispostivo que pudesse me colocar em voô em segundos acabei tropeçando numa garrafa de Heineken 700ml que jazia prostrada no meio de um lamaçal violento. Antes que pudesse retomar o fôlego perdido para a correria depravada fui subitamente sugado pela garrafa, numa cena típica de Aladim e lâmpada mágica. Entrei, sentei e curti. É daqui que eu escrevo. E daqui eu não saio. Welcome Home.


Bernardo Biagioni

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Brincando com Gardel

Carlos Gardel arrastou-a para um passo de tango, brincando com o tempo que aguaçava o vidraçal. Ela ergueu-se no ponto, deu de ombros e apresentou-se ao coral. Pois antes de chegar bem perto, fuzilou-o com os olhos, correu os dedos pelos cabelos e fechou o sorriso. Brincou com o vestido rodado, o sapatinho desamarrado e as pulseiras nos pulsos. Arrancou um fino da vitrola, arranhou o disco negro e colocou na faixa seguinte. Carlos cantava, ela se entreolhava no espelho com um suspiro azedo de quem diz: me ajuda! Mas parecia bem, tão bem que sorriu de novo, arrastou-se pelos quatro cantos do quarto recordando a velha canção. E estirou-se na cama, feito uma boneca mal-tratada, uma camiseta mal-lavada pelo destino incerto. Tão logo deitou, tão logo rasgou seus verbos, inúteis trocadilhos perversos que judiavam da poesia. Sorveu do vinho vencido e reclamou do vinagre que passou a lhe consumir a serenidade do estômago. Por fim, deu-se por vencida, levantou decidida e esticou a mão direita: “Garçom, se puder peço que me traga a conta! E vou logo avisando, pode dependurar essa merda de couvert pela ponta, que hoje eu não pago não.”


Bernardo Biagioni

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Tempos Estranhos

Olhe bem em volta meu amigo, os tempos estão estranhos. Esperava o ônibus escondido sob um toldo minúsculo, os pingos de chuva pintavam minha camisa e meu nobre-companheiro-vizinho-de-espera-do-ônibus não cedeu nem mesmo um cantinho no verdadeiro guarda-sol que carregava. Tanto faz, mais tarde ele iria passar por poucas e boas. Corri a mão pelos bolsos para resgatar um pedacinho daquele velho fone de ouvido, peguei-o antes que tocasse o chão colorido por chicletes antigos.

Ao reerguer a cabeça estava trocando olhares com o motorista da linha 747, ele gritava e abanava os braços como se fosse um macaco: “não vai subir não, ô idiota?”. Pelo menos foi o que eu consegui escutar, não hei de saber o que havia dito antes ou depois, o som nos meus ouvidos já estavam altos em demasia. As janelas estavam todas fechadas, olhares mais atentos conseguiria enxergar uma fumaçinha saindo da lateral esquerda do ônibus, um homem esfregando as costas do outro, uma mulher aproveitando a temperatura para espremer uns cravos encravados no orifício auditivo direito.

Para fazes jus ao ambiente “sauna gay” um moleque baixinho cuidando bem mal de seus 12 anos levantou no meio da muvuca: “Boa tarde. Poderia ta matando, seqüestrando ou estuprando as madames. Mas to aqui pra vender pedras de eucalipto. Você pode colocar no seu carro, no seu quarto, no banheiro e vai ficar esse cheirinho bacana!” Um sujeito de sunga levantou bem no fundo do “balaio” e ofereceu seu lance: “É meu! Pago 20 merréis nessa porrinha!” Ninguém entendeu merda nenhuma. O amigo levantou enquanto deslizava as mãos pela face buscando uma pitada de suor para auxiliar na contagem das notas.

A situação se normalizava, algumas janelas eram abertas para evacuar aquele cheiro enjoativo e uns engraçadinhos emparelhavam o carro na velocidade do busão gritando freneticamente: “Eii seu motô me dá uma bola desse eucalipto aí”. E os filha-da-puta riam desesperadamente enquanto dichavavam-enrolavam-e-cochavam o próprio baseado.

Uma freada brusca colou o corpo enrugado de uma senhora de idade no vidro dianteiro da embarcação. Subiu à bordo três malucos com meia-calça na cabeça gritando para qualquer cabeça de todo o quarteirão ouvir: “Todo mundo parado, isso é um assalto”. Vale lembrar que as pessoas não costumam caminhar enquanto fazem uma viagem tranqüila em uma linha de ônibus tradicional. A primeira badalada da arma de fogo do cidadão fantasiado acertou um passarinho que fazia ponto por aquelas bandas e fez com que todo mundo descesse correndo por todos os cantos do balaio. Os três malucos ficaram completamente desordenados com a confusão e não puderam evitar nem mesmo a fuga do motorista e do trocador.

Os filha-da-puta da meia calça descarregaram o tambor da arma enquanto assistiam as últimas almas desaparecerem na esquina. Rodaram a chave na ignição e levaram embora o último carro operacional da linha 747. Tempos estranhos, meu amigos. Tempos muuuito estranhos. Na dúvida, pegue um táxi.

Bernardo Biagioni